Menino branco se apaixona por garota indígena em longa com Cauã Reymond

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Duas Mariola/Divulgação

A história surgiu a partir do livro de contos Curva de rio sujo (2003), do escritor e designer gráfico mato-grossense Joca Reiners Terron. Das 30 e poucas narrativas curtas, com vivências e lembranças da infância e juventude do autor, Bragança escolheu duas delas. Uma falava de um amor idílico juvenil e outra, sobre uma gangue de motoqueiros.
FAMÍLIA Em Não devore meu coração!, o Rio Apa marca a fronteira Brasil/Paraguai. Do lado brasileiro vive Joca, um menino de 13 anos que mora com o irmão mais velho, Fernando, e a mãe, Joana (a atriz mineira Cláudia Assunção). A mulher, abandonada pelo marido, César (Leopoldo Pacheco), está em constante depressão. A ausência da mãe faz com que Joca seja criado por Fernando, que tem uma relação ora afetuosa, ora agressiva com o menino.

Mas o garoto só tem olhos para Basano, uma menina indígena que vive do outro lado do rio. As comunidades fronteiriças estão em conflito, ainda mais porque corpos de índios estão aparecendo nas margens do Apa. Entre esses dois mundos também convivem os motoqueiros da Gangue do Calendário, grupo do qual Fernando faz parte.

Em sua primeira direção individual (seus dois outros longas  – A fuga, a raiva, a dança, a bunda, a boca, a calma, a vida da mulher gorila, de 2009, e A alegria, de 2010 – foram divididos com Marina Meliande), Bragança viajou durante quatro anos para a região até rodar o filme. “Não tinha nenhuma relação, tampouco conhecia o Mato Grosso do Sul. Mas tinha uma vontade ancestral de fazer um filme sobre o imaginário indígena brasileiro. É um filme que lida com minha herança guarani (sua bisavó era dessa etnia, mas viveu no litoral do Espírito Santo) e vi nele uma possibilidade de falar sobre isso”, diz.

Bragança queria trabalhar com atores não profissionais – as exceções são Cauã Reymond, que atua também como coprodutor do longa, Leopoldo Pacheco e Claúdia Assunção, os dois últimos em papéis menores. Nas viagens ao Mato Grosso do Sul, foi escolhendo seu elenco. “Mais do que a paisagem geográfica da região, me interessava a paisagem humana. O processo foi lento, longo, de ir procurando pessoas nas ruas, nos bares.”

Foi numa dessas incursões que ele se deparou, por acidente, com Adeli Gonzalez. “Depois que conversei, ela aceitou a ideia de experimentar o cinema. Em momento algum ficou deslumbrada porque ia fazer um filme, havia uma certa desconfiança e queria saber o tempo inteiro como o filme lidaria com a imagem dos guaranis”, conta Bragança. Para o papel de Joca houve uma seleção com uma centena de garotos de Campo Grande.

Não devore meu coração! é falado em português, guarani e castelhano. “No cotidiano dos paraguaios, só se escuta o guarani. O castelhano é mais usado quando eles se comunicam com os brasileiros e, mesmo assim, é meio misturado. A grande questão da língua é que, naquela fronteira, o Brasil ocupa uma posição meio imperial. Então, é natural que quem viva do outro lado aprenda o português, e não o contrário. Há, ali, um jogo de poder de colônia com o colonizador”, afirma o diretor.

Lançado em janeiro no Festival de Sundance, Não devore meu coração!, coprodução Brasil/Holanda, percorreu o circuito de festivais internacionais até chegar às salas comerciais. “Em Sundance, como o público era quase todo norte-americano, as pessoas se surpreenderam, porque viram que aqui houve uma corrida para o Oeste. Então houve comparações entre as colonizações nos EUA e aqui. Já na Europa, ficou claro que as pessoas conhecem muito pouco da Guerra do Paraguai. Muitas ficaram chocadas em saber que no Brasil, que, no imaginário coletivo é um país pacato, houve um episódio tão sangrento”, conta Bragança.

Resta saber como será a leitura dessa história no Brasil. Sobre a fronteira, o diretor comenta que só há uma certeza: “Os paraguaios querem que a gente (os brasileiros) vá embora. Para eles, aquilo tudo faz parte da nação guarani. A fronteira é invenção do homem branco.”

 

Redação/Rádio Terena

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