O campus do Instituto Federal do Amazonas (Ifam) de São Gabriel da Cachoeira lançou o primeiro processo seletivo do Brasil em que o candidato pode escrever a redação em uma língua indígena. No município que fica a 856 quilômetros de Manaus, 90% da população é indígena, sendo que a cidade é a com maior predominância de indígenas no país.
Na próxima segunda-feira (11), acontecem as provas da seleção de novos alunos para cursos de educação profissional técnica de nível médio nas formas integrada, quando o aluno faz um curso técnico junto com o Ensino Médio, e subsequente.
A classificação no processo seletivo será feita a partir de um texto dissertativo argumentativo de no mínimo 20 e no máximo 25 linhas. “A prova de redação poderá ser escrita em Língua Portuguesa ou Indígena do Alto Rio Negro”, diz o edital.
Em 2002, com o sancionamento da Lei Municipal 145, o Nheengatu, o Tukano e o Baniwa foram oficializadas como línguas cooficiais de São Gabriel da Cachoeira. No entanto, ao todo, 18 idiomas indígenas são falados no município e todos podem ser utilizados na prova do processo seletivo.
Segundo o diretor do campus do Ifam de São Gabriel da Cachoeira, professor Elias Souza, a razão para a entrada dos idiomas indígenas na seleção é a valorização da língua como objeto de cidadania e expressão cultural.
“Há uma obrigação legal das instituições de respeitar o contexto socioeconômico local. A língua portuguesa é sempre um fator limitante no processo de ensino-aprendizagem na nossa instituição, por conta dessa relação com outras línguas. Para diminuir o entrave e nos aproximarmos mais do universo cultural, valorizando a língua indígena, nós decidimos fazer um processo seletivo diferente, incorporando as várias possibilidades de cada aluno indígena”, explica.
O diretor do campus espera que o “processo seletivo diferente” abra portas para avanços nas políticas públicas voltadas à questão indígena.
As 265 vagas ofertadas no processo seletivo são para os cursos de Administração, Informática e Agropecuária, na forma integrada, e Secretaria Escolar, Enfermagem, Informática e Administração, na forma subsequente.
Mobilização
Para realizar a seleção, o Ifam conta com o apoio de outras instituições, como a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Exército Brasileiro.
Com a ajuda, foi montada uma câmara de tradutores para auxiliar na avaliação das redações. Além disso, as entidades parceiras disponibilizaram embarcações, motoristas fluviais, entre outros profissionais para ajudar na realização da seleção. Além do Colégio São Gabriel, na sede do município, comunidades indígenas de São Gabriel da Cachoeira também serão locais de prova.
Outra peculiaridade
Além da possibilidade de escrever a redação em língua indígena, o contexto local faz com que o processo seletivo do Ifam tenha outra particularidade.
Candidatos da sede de São Gabriel da Cachoeira e municípios vizinhos, como Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos, concorrem a vagas no sistema de ampla concorrência. Já os estudantes das 5 regiões administrativas, formadas por comunidades indígenas e criadas por Lei Municipal, possuem números de vagas específicas, de acordo com a demanda populacional.
Mais uma língua cooficial
O Ifam de São Gabriel da Cachoeira está assessorando um projeto que visa a cooficialização do Yanomami como idioma falado no município.
Pomerode-SC e Tacuru-MS, ao lado da cidade amazonense, são os três municípios brasileiros que possuem mais de um idioma oficial. No catarinense, também se fala o alemão. Já na cidade sul-mato-grossense o Guarani também foi adotado como língua cooficial.
Redação/Rádio Terena