Uma quinta-feira, trinta de maio de 2013 era feriado de Corpus Christi, mas foi o corpo de um homem que jogou sangue e luzes sobre a disputa por terra em Mato Grosso do Sul. A morte do indígena guerreiro terena Oziel Gabriel, 35 anos, durante cumprimento de ordem judicial de reintegração de posse na fazenda Buriti, em Sidrolândia, mobilizou um sem-fim de autoridades.
Ministro da Justiça, efetivo da Força Nacional de Segurança, reuniões com conciliadores do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e audiências acaloradas, em que bate-boca e dedos em riste só cessaram mediante um telefonema presidencial. A promessa era de que a terra seria comprada pelo governo federal, atendendo assim produtores rurais e indígenas.
Quase cinco anos depois, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) manteve decisão que a posse é dos produtores rurais. Para amanhã (dia 5), está sendo organizado um protesto onde as lideranças indígenas, guerreiros, mulheres, crianças da Terra indígena Buriti estarão em resposta a decisão mostrando e enfatizando que os estudos antropológicos que atesta como terra indígena é sim prova de que a terra é pertencentes aos indígenas.
” Essa terra é nossa, somos donos deste país, eles (Fazendeiros) sim são invasores. Não vamos retroceder um passo. A luta continua. Foi derramado sangue de um guerreiro nosso e isso nos motiva ainda mais para lutarmos” Comenta uma liderança.
A véspera – A fazenda Buriti, em Sidrolândia, que pertence ao ex-deputado estadual Ricardo Bacha, faz parte dos 17 mil hectares exigidos pelos índios. A área foi retomada no dia 15 de maio de 2013. No mesmo dia, a Justiça Federal determinou a saída dos terenas. Na ocasião, foi feito um acordo para que a área fosse desocupada até 15 horas de 18 de maio.
No entanto, eles não saíram e ampliaram o processo de retomda, chegando à sede da fazenda. A PF (Polícia Federal) chegou a enviar efetivo para o local, mas a reintegração de posse foi suspensa pela Justiça até o dia 29 de maio, data da audiência para tentativa de acordo.
Após quatro horas de negociação, não houve entendimento e o juiz federal José Ronaldo da Silva determinou o cumprimento da reintegração de posse. Em caso de desobediência, foi fixada multa de R$ 10 mil para cada pessoa que permanecesse na propriedade.
A decisão judicial foi cumprida no dia 30 de maio, feriado de Corpus Christi. Os terenas relatam que equipes da PF e da PM (Polícia Militar) chegaram às 6h. Houve resistência e a situação acabou em confronto. A desocupação terminou às 15 horas.
A PF informou que três policiais ficaram feridos. No colete balístico de um deles foi encontrado um projétil. Os terenas atearam fogo a imóveis da fazenda. Dezoito índios foram detidos, sendo três adolescentes.
Carona no socorro – Oziel Gabriel foi baleado no abdômen. Ele foi levado pelos companheiros até o hospital beneficente Elmíria Silvério Barbosa. No meio do trajeto, o carro onde era transportado desgovernou e a vítima, inconsciente, foi levada de carona por um avicultor que passava pelo local. Ele morreu no hospital. A notícia foi recebida pelos parentes com protesto e gritos de “guerreiro”.
De lá, o corpo seguiu direto para a Pax Bom Jesus, sem passar pelo IML (Instituto Médico Legal). A plantonista do instituto havia viajado e levado a chave do local. Então, dois médicos foram à Pax. Conforme o laudo, o óbito foi por choque hipovolêmico decorrente de ferimento por arma de fogo. Oziel foi atingido por um tiro no abdômen, a bala passou pelo fígado e o projétil saiu pelas costas.
Com o impasse sobre a procedência da bala que tirou a vida de Oziel, o MPF (Ministério Público Federal) requereu uma nova perícia no corpo. O velório do indígena foi suspenso e o corpo levado ao IML de Campo Grande.
A autópsia foi realizada por peritos de Brasília. Desta forma, o velório que começou no dia 30 de maio, na pequena varanda da casa de Oziel, só terminou em 3 de junho, quando, finalmente, a vítima pode ser sepultada na terra da aldeia Lagoa do Meio, no entorno da fazenda em disputa.
Morto pela PF – Três anos depois, em 2016, o MPF concluiu que a bala 9 mm que matou Oziel era de uso exclusivo da Polícia Federal. Mas, sem saber quem atirou, o caminho era arquivar o caso. Uma delegada foi denunciada por improbidade administrativa, por ter concluído que não houve irregularidade na ação, cujo um dos comandantes era seu esposo.
Para o Ministério Público, a operação “Ego Sum Lex” teve uma sequência de erros e recomendou planejamento prévio, utilização de câmeras filmadoras e informar os demais órgãos da União, como a Funai (Fundação Nacional do Índio) e o próprio MPF, com antecedência de 48 horas.
A Polícia Federal negou que o disparou partiu de um dos seus agentes e de que a conclusão do MPF era “divorciada dos laudos necroscópicos realizados no Instituto Médico Legal de Sidrolândia e no Instituto Nacional de Criminalística, e, por isso, não está de acordo com a verdade”.
Romaria – A morte de Oziel deflagrou uma romaria de autoridades a Mato Grosso do Sul. A primeira missão do então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, foi em 5 de junho, quando desembarcou em Campo Grande com discurso de paz e o anúncio de 210 policiais da Força Nacional de Segurança.
Quinze dias depois, o ministro voltou à Capital e, desta vez, acompanhado por uma comitiva: ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, advogado geral da União, secretário nacional de Articulação Social e representante do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Naquele 20 de junho de 2013, foi anunciado que a presidente Dilma Rousseff (PT) autorizou por telefone a compra de 15 mil hectares de “terra nua”.
Até então, o processo de demarcação de área indígena determinava pagamento somente pelas benfeitorias. Em 13 de agosto, nova rodada de negociação entre o ministro da Justiça, índios e fazendeiros, com impasse sobre o valor a ser pago pelas terras. A União ofereceu R$ 78 milhões, mas laudo dos fazendeiros apontava para R$ 130 milhões. De impasse em impasse, nada foi resolvido.
Redação/Rádio Terena