Nesta terça e quarta-feira (7 e 8), Dourados realizará o I Curso de Preparação à Adoção Indígena “Che Memby” (Meu Filho, em guarani). A iniciativa inédita objetiva habilitar famílias indígenas no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), a fim de que possam acolher crianças também indígenas que, por algum motivo, não poderão permanecer com a família de origem.
A realidade da comarca de Dourados pode ser considerada sui generis. Segundo dados do Instituto Socioambiental, o maior sobre o assunto no país, em outubro de 2017, a 2ª maior cidade do Estado possuía mais de 15 mil indígenas vivendo em aldeias com contato direto com o “homem branco”. Essa realidade única do município, gera, por sua vez, desafios singulares.
“Começamos a verificar que o número de crianças indígenas acolhidas em abrigos provisórios, devido a abuso, dependência química ou alcoólica dos pais, era sempre maior do que a quantidade de menores indígenas que conseguiam regressar para a família de origem, superada a situação que levou ao acolhimento”, relata Valdirene Campos Schmitz Pereira, assistente social da comarca de Dourados e coordenadora do Projeto Adotar da Vara da Infância e da Juventude daquela cidade.
“Essas crianças ficam então nas casas de acolhimento, que são instituições localizadas fora das aldeias, passando, consequentemente, por um processo de perda de toda sua culturalidade, que inclui até a perda da língua de origem, seja guarani, terena ou kaiowá, algo muito importante para a identidade dessa população indígena”, continua a servidora.
Para superar tanto a falta de uma família quanto a desculturalização desses menores, há cerca de um ano, começou-se a estudar a criação de um curso de preparação à adoção voltado exclusivamente para indígenas. Dessa forma, conseguir-se-ia habilitar famílias da própria aldeia para adotar essas crianças, mantendo-as em seu ambiente de origem.
Em uma parceria com a FUNAI, a SESAI e o CRAS, o I Curso de Preparação à Adoção Che Memby será composto de dois encontros, realizados no CRAS da Reserva Indígena de Dourados, e possui uma estimativa de 20 famílias participantes.
O primeiro dos encontros será amanhã, no período matutino, com uma Roda de Conversa sobre o tema, em que indígenas que já passaram pela experiência de adoção falarão para seus pares interessados em adotar. Os organizadores do curso atuarão apenas como orientadores e facilitadores desse diálogo.
“Ao realizar o curso na aldeia e nessa roupagem diferenciada, nós pretendemos superar as dificuldades que as famílias indígenas têm de vir para a cidade e de compreender a dinâmica do curso”, ressalta Valdirene.
Na quarta-feira, os participantes receberão toda as informações jurídicas e formais que envolvem o processo de adoção, atendendo, assim, as exigências feitas pela legislação para habilitar qualquer pessoa no Cadastro Nacional de Adoção.
Somado ao curso, uma comissão composta por membros da FUNAI, da SESAI, do CRAS, além de uma liderança indígena do território em questão, auxiliará o juiz Zaloar Murat Martins de Souza, titular da Vara da Infância e da Juventude de Dourados, a decidir eventuais pedidos desses indígenas no Cadastro Nacional.
“A Cultura da Adoção entre os indígenas sempre existiu, não judicializada como nós a fazemos, mas sempre esteve presente, como, por exemplo, quando o próprio chefe da aldeia adota como seus filhos, as crianças das famílias que não podem permanecer com elas, por algum motivo. Agora, estamos apenas garantindo que essa adoção seja conforme as exigências da lei”, concluiu a assistente social.