Desmatamento em terras indígenas aumenta 124% em um ano

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O desmatamento em terras indígenas da Amazônia aumentou 124% em um ano, aponta um levantamento realizado pelo Programa de Monitoramento de Áreas Protegidas do Instituto Socioambiental. O relatório foi feito com base na estimativa preliminar divulgada em novembro pelo Projeto de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Entre agosto de 2017 e julho de 2018, o desmatamento saltou de 11,9 mil para 26,7 mil hectares. Ou seja, as áreas indígenas perderam cobertura florestal em uma extensão de terra equivalente à cidade do Recife.

Desmatamento
As terras indígenas ainda são a barreira mais eficiente contra a destruição da floresta, com apenas 3% do total da devastação na Amazônia apesar de ocupar 23% da área.

Em algumas terras indígenas específicas, principalmente na fronteira de expansão territorial do agronegócio, a situação é alarmante: destaque para as de Cachoeira Seca (PA), Marãiwatsédé e Zoró (MT), onde as taxas cresceram, respectivamente, 333%, 2.851% e 43.903%.

Com o desmatamento concentrado em dez terras indígenas, o aumento de 124%  é quase dez vezes mais intenso que o registrado no bioma como um todo entre 2016 e 2017. Em toda a região, foram destruídos 790 mil hectares de mata, o equivalente a mais de cinco vezes o município de São Paulo.

Diagnóstico
O Instituto Socioambiental (ISA) buscou então conhecer o que estaria causando esse aumento do desmatamento dentro de terras indígenas. Cientistas, indigenistas e organizações apontam que a fiscalização e repressão aos crimes ambientais é ineficiente em algumas regiões, enquanto inexiste em outras.

Existem ainda outros fatores, como o aumento dos preços internacionais da soja e da carne, melhoria de estradas e uma seca maior no período, que favorece o corte e queima das árvores. “Um consenso é que o enfraquecimento de leis e políticas ambientais e o recrudescimento do discurso contra elas estão consolidando um clima geral favorável aos crimes ambientais. E que já parece ter efeito cumulativo”, afirmou o ISA em comunicado.

De acordo com o pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Paulo Barreto, contribuíram para a degradação do cenário a aprovação do novo Código Florestal, que anistiou massivamente desmatamentos ilegais, em 2012; as propostas de redução de Unidades de Conservação (UCs); e a aprovação, em 2017, da chamada “Medida Provisória da Grilagem”, que ampliou prazos e áreas para a legalização de terras públicas.

“Essa tendência de perdoar crime ambiental e ocupações ilegais acaba aumentando a sensação de impunidade. Cria-se a expectativa de algum tipo de perdão. Passa a ser vantajoso deixar de pagar”, alerta Barreto. “Há um clima de degradação do cumprimento de regras em geral.”

O esgotamento de terras e recursos naturais fora das áreas protegidas, combinado com a continuidade dos efeitos de grandes obras de infraestrutura, também ajuda a explicar o salto no ritmo do desmatamento dentro das terras indígenas.

Cenário incerto
A taxa de desmatamento calculada pelo programa Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter B) cresceu 48%, no período eleitoral entre agosto e outubro. Esse número só será incluído na próxima taxa oficial de desmatamento. Também operado pelo Inpe, o Deter é menos preciso que o Prodes e, por isso, é usado para subsidiar operações de fiscalização, mas não para produzir índices oficiais.

Apesar da tendência ao desmatamento durante os processos eleitorais, neste ano o problema teria se agravado em função da radicalização do discurso contra as terras indígenas e as políticas ambientais em meio à disputa. “Dentro de um contexto político de ataque aos direitos indígenas e aos órgãos de Meio Ambiente, são emitidos sinais que são interpretados em campo de forma muito rápida”, analisa Juan Doblas, assessor do ISA.

Outro fator que deve ser considerado na alta dos desmates nessas áreas é a cooptação de lideranças indígenas pelos invasores ou o conluio entre ambos. A terra indígena de Zoró (MT), por exemplo, sofre com o roubo de madeira, parcialmente autorizado. O mesmo acontece em Kayapó e Munducuru (PA), cujos garimpos também têm assentimento de parte das comunidades.

“A permanência prolongada de invasores ou de exploradores de recursos naturais com a anuência dos índios poderá ensejar um questionamento sobre seu direito à terra”, comenta o sócio fundador do ISA e ex-presidente da Funai, Márcio Santilli. “Os indígenas vão abrindo mão da posse e isso pode ensejar alguma medida do novo governo no sentido de destitui-los do seu direito.”

A tendência de crescimento das taxas de desflorestamento no interior das áreas protegidas, entretanto, parece consolidar a mudança do chamado “arco do desmatamento”. Essa transformação ocorre principalmente ao longo das principais rodovias amazônicas, no sudoeste do Pará: as BRs 163 (Cuiabá-Santarém) e 230 (Transamazônica), onde está concentrado o desflorestamento nas terras indígenas.

“O arco do desmatamento faz uma inflexão e se transforma num círculo de devastação que tende a segmentar definitivamente as florestas da Bacia do Xingu do restante da Amazônia”, analisa Santilli.

“Ninguém sabe qual o tamanho dos impactos desse processo em termos de fluxo genético, ressecamento e transporte de umidade para o funcionamento dos ‘rios voadores’, que levam a umidade para outras regiões do país, em especial aquelas de produção agropecuária e os grandes centros urbanos”, continuou. “Certamente esses impactos não serão positivos, algo grave e inédito que deveria ser evitado a todo custo.”

 

revistagalileu.globo.com

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