Plano de Bolsonaro para demarcações indígenas pode parar na Justiça

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Bolsonaro determinou que demarcação de terras indígenas e concessão de licenciamento ambiental para empreendimentos que afetem diretamente povos indígenas e quilombolas devem passar da Funai para o Ministério da Agricultura Foto: Adriano Machado/Reuters

Nas primeiras horas de governo, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) editou uma medida provisória e um decreto que esvaziam as principais atribuições da Fundação Nacional do Índio (Funai).

Ele deslocou para o Ministério da Agricultura, instituição que representa interesses do setor agropecuário brasileiro, a prerrogativa de delimitar terras indígenas e de quilombolas, e de conceder licenciamento para empreendimentos que possam atingir esses povos.

Diminuir a concessão de demarcações de terras e destravar obras, como ferrovias e rodovias, em áreas próximas a comunidades indígenas eram reivindicações da Frente Parlamentar Agropecuária da Câmara, que representa os interesses de produtores rurais. Mas a decisão do novo presidente saiu melhor que a encomenda, segundo parlamentares do grupo, a chamada “bancada ruralista”.

“Essa decisão foi muito bem recebida por nós, mas foi uma surpresa. Não imaginei que iria bem para o Ministério da Agricultura”, disse à BBC News Brasil o deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), que é integrante e ex-presidente da Frente Parlamentar Agropecuária.

“Eu tinha sugerido ao Bolsonaro criar uma secretaria do índio, ligada à Presidência. E havia a possibilidade de prerrogativa de demarcação ir para Ministério da Justiça, mas o Sérgio Moro não queria, então, prevaleceu a vontade daquele que foi eleito, de tratar a questão (da demarcação) sob a ótica produtiva.”

 

Mas, no Ministério Público Federal, a reação foi bem diferente. Procuradores que atuam na defesa dos direitos dos indígenas estudam, segundo a BBC News Brasil apurou, formas de contestar na Justiça as decisões de Bolsonaro.

Bolsonaro com Tereza Cristina
Direito de imagem ISAC NOBREGA/AFP Image caption Ministério comandado por Tereza Cristina, ex-presidente da bancada ruralista da Câmara, vai ser responsável por decidir sobre interesses de povos indígenas e quilombolas

E a Procuradoria-Geral da República informou à BBC News Brasil que todas as decisões do novo presidente sobre demarcação de terras “serão analisadas” para verificar se há “retrocessos” ou violações a direitos. Se a interpretação for de que existem inconstitucionalidades, poderá ingressar com ações no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a derrubada integral ou parcial das medidas.

O procurador da República Júlio Araújo, que integra o grupo de trabalho sobre demarcação de terras indígenas da 6ª Câmara do MPF, avalia que a transmissão das funções da Funai para o Ministério da Agricultura viola a Constituição.

Segundo ele, essas medidas podem paralisar novas demarcações, já que o controle sobre a decisão estará nas mãos de uma instituição que representa ruralistas e que não teria, a príncipio, interesse em expropriar terras de produtores ou paralisar obras que possam beneficiar o escoamento da produção.

“Esse esvaziamento (da Funai), por si só, tem inconstitucionalidade, porque você torna inoperante a política de demarcação. Você está desestruturando uma política prevista na Constituição”, afirmou à BBC News Brasil.

“O governo está indicando que não vai mais demarcar terras. A decisão vai ficar sob controle de um ministério que é contrário a esse interesse e que responde a um governo contrário a esse interesse.”

índigenas em Brasília
Direito de imagem Adriano Machado/Reuters Image caption “O governo está indicando que não vai mais demarcar terras. A decisão vai ficar sob controle de um ministério que é contrário a esse interesse e que responde a um governo contrário a esse interesse”, diz o procurador Júlio Araújo

De acordo com Araújo, membros do Ministério Público Federal podem questonar as medidas de Bolsonaro em juízos de primeira instância nos casos concretos de demarcação. “Uma maneira de enfrentar esse cenário é que o Judiciário garanta as demarcações nos casos concretos”, afirma.

Ele explica que, atualmente, quando há demora na demarcação de uma terra, o Ministério Público ingressa com ações judiciais e o juiz determina que o Executivo proceda à avaliação das terras. Num cenário em que a decisão ficaria a cargo do Ministério da Agricultura, Araújo diz ser possível pleitear que o próprio Judiciário proceda à demarcação, sem esperar a atuação do Executivo.

“Hoje, a tendência é ter uma autocontenção. O judiciário reconhece que existe uma terra indígena e manda o Executivo demarcar. Mas eu acho que poderia ir além, fazendo perícias e determinando ele próprio a demarcação”, defendeu o procurador, que é autor do livro Direitos Territoriais Indígenas: Uma Interpretação Intercultural.

“O Judiciário tem condição de declarar que um território é indígena e tem condição, por entendimento do Supremo, de discutir os limites dessa demarcação. Não é algo que naturalmente ocorre, mas num cenário inconstitucional de não efetivação desse direito esse seria um caminho.”

Por sua vez, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), principal organização indígena do país, recomendou às suas representações nos Estados que organizem “o ingresso [na Justiça] de uma ação popular requerendo judicialmente a nulidade dos atos praticados pelo presidente Jair Messias Bolsonaro”.

Para a Apib, as decisões do novo presidente “destroem praticamente toda a política indigenista brasileira”. No caso das ações civis públicas, os pedidos de nulidade também seriam feitos a juízes de primeira instância.

 

BBC NEWS

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