O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)caminha para conceder a primeiralicença ambiental a uma atividade de exploração econômica — com potencial de degradação, o que justifica a necessidade de licença — dentro de uma terra indígena. Cerca de mil índios potiguara, no litoral norte da Paraíba, querem que o Ibama dê o aval à continuidade de criação de camarão dentro das áreas demarcadas, uma atividade com faturamento previsto de R$ 1,5 milhão por ano.
O caso dos potiguara na Paraíba revela um movimento de comunidades indígenas em direção a atividades econômicas que vão bem além do extrativismo, da agricultura familiar e da subsistência. Nos últimos três anos, o Ibama recebeu de comunidades e autoridades locais nove pedidos de licenciamento de atividades dentro de terras indígenas.
Diante da maior recorrência de pedidos partindo de indígenas, um grupo de trabalho foi criado no governo federal para tratar do tema. Ibama, Fundação Nacional do Índio (Funai) e Ministério da Justiça, ainda no governo do presidente Michel Temer, passaram a discutir procedimentos para licenças ambientais a atividades econômicas dentro de terras indígenas.
Em maio do ano passado, uma instrução normativa foi editada estabelecendo quais atividades não precisam de licenciamento. São os casos, por exemplo, de processamento de conservas, farinha de mandioca e fabricação de material cerâmico em áreas de até 500 metros quadrados.
A discussão sobre licenças ambientais para comunidades indígenas ganha outra dimensão no governo de Jair Bolsonaro. O presidente defende, ao mesmo tempo, a ampliação de atividades econômicas dentro de terras indígenas – inclusive a mineração e a possibilidade de arrendamentos de áreas, com parcerias com não índios – e a flexibilização do licenciamento ambiental de maneira geral.
A previsão de uma primeira concessão de licença – e a existência de outros pedidos – vai na direção do que Bolsonaro deseja. Mas o fato de essas licenças não contemplarem arrendamentos, limitando-se ao potencial de uma comunidade indígena levar adiante uma exploração econômica com suas próprias pernas, vai na direção contrária do pensamento do presidente.
O novo governo vem promovendo alterações radicais na relação entre Estado e populações indígenas. Medidas práticas já foram adotadas. Primeiro, a Funai saiu do Ministério da Justiça e foi para a aba do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Depois, as demarcações de terras indígenas deixaram de ser uma atribuição da Funai; são uma responsabilidade agora da Secretaria Especial de Assuntos Fundiários, do Ministério da Agricultura, comandada pelo líder ruralista Luiz Nabhan Garcia. A análise dos impactos de licenças em terras indígenas também deixou a Funai e foi para a mesma secretaria.
A licença mais avançada no Ibama, hoje, é a dos potiguara. O pedido formal chegou ao órgão em 2016. O processo avançou para a etapa seguinte, a do termo de referência, e aguarda a entrega de estudos de impacto ambiental por parte dos indígenas. A Funai apoia a emissão da licença. O pedido inicial dos indígenas explica que a atividade de criação de camarão começou em 1996, com escavação de viveiros em áreas de apicuns e “mão-de-obra 100% indígena”.
“A atividade de carcinicultura praticada pelos índios potiguara é considerada de baixo impacto, pois a densidade média de povoamento de camarões nos viveiros é de 10 camarões/m2, enquanto a média nacional é de 50 camarões/m2. Os viveiros não são cercados, permitindo o livre trânsito de qualquer pessoa”, cita o pedido de licença.
Em outros dois casos, de construção de pousadas para pesca esportiva na terra indígena Kayabi, em Mato Grosso, o Ibama avalia de quem é a competência para o licenciamento. Os outros pedidos tratam de projetos das prefeituras de Boa Vista e Normândia (RR) voltados à bovinocultura em terras indígenas, inclusive em Raposa Serra do Sol, e de projeto da prefeitura de Amajari (RR) para construir três galpões para criação de frangos pelos índios.
Um desses projetos quer disponibilizar 1.675 cabeças de gado em 52 comunidades em Serra do Sol, cuja demarcação foi avalizada num julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) em 2009. Bolsonaro já chegou a cogitar a revisão dessa demarcação. Em razão do baixo impacto ambiental, o Ibama concluiu que essas atividades não precisarão de licença ambiental.