União é condenada a R$ 1 mi por não ouvir indígenas para nomear chefe de saúde

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Sete indígenas morreram por precariedade no atendimento à saúde de pelo menos 20 etnias — Foto: Paulo Paixão/Rede Amazônica

Ao não consultar comunidades indígenas para nomeação de coordenador de serviços de saúde indígena no Pará, a União terá de pagar R$ 1 milhão em indenização por danos morais coletivos. A decisão do juiz federal Jorge Ferraz de Oliveira Júnior, da 5ª Vara da seção judiciária do estado, estabelece que o valor deve ser destinado ao Fundo Federal de Defesa dos Direitos Difusos, já que não é possível repartir o montante entre todos os povos afetados.
Na última quinta-feira (28/3), o MPF encaminhou à Justiça recurso com pedido para que esse dinheiro seja destinado a entidades representativas das 20 etnias citadas no processo. O procurador da República Felipe de Moura Palha pediu que a Justiça estabeleça que essas entidades representativas recebam os valores após apresentarem e conseguirem a aprovação de plano de utilização dos recursos em projetos sociais. O MPF também pediu que seja determinada a fiscalização, pelos órgãos de controle, sobre a correta aplicação das verbas.
“Com efeito, a previsão de oitiva prévia das comunidades tribais e indígenas assume especial importância na concretização dos direitos culturais e étnicos previstos pela Constituição de 1988 e pela Convenção n° 169 da OIT, porquanto assegura a sua participação, ainda que não vinculante, em decisões determinantes para o seu desenvolvimento — diversamente da concepção integracionista outrora reinante. Assim, sua violação denota significativa reprovabilidade social”, disse o juiz federal.
No caso em questão, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) não teria ouvido a população indígena no momento da escolha do coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Guamá-Tocantins, em 2016. O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública alegando que as comunidades locais mobilizaram reiteradas manifestações sobre o tema, em cinco semanas de protestos, e invocou o documento internacional incorporado pelo Brasil. O cargo esteve vago durante um período, sendo nomeado um servidor para fazer as negociações com os indígenas e, apenas em fevereiro de 2017, definido o nome a assumir a posição.
A Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, sobre Povos Indígenas e Tribais em Estados Independentes, trata do reconhecimento dos direitos indígenas coletivos, com aspectos de direitos econômicos, sociais e culturais. A Convenção nº 169 foi incorporada pelo Brasil em abril de 2004.
De acordo com o MPF, sem um agente público coordenando a política de saúde na região, sete indígenas teriam morrido sem atendimento na época do ajuizamento da ação, no final de 2016. Entre os problemas apontados, estavam: falta de remédios, espera por meses para consultas e exames, ausência de controle de qualidade da água e deficiência na manutenção do abastecimento de água, ausência de fossas biológicas, insuficiência de agentes indígenas de saneamento e de agentes indígenas de saúde, ausência e precariedade dos postos de saúde, insuficiência de veículos de transporte, ambulâncias e motoristas, insuficiência de técnicos de enfermagem, funcionários na área administrativa dos polos e falta de estrutura administrativa nessas unidades.
A União, por outro lado, defendeu que por ser o cargo de coordenador do Dsei comissionado, a escolha é discricionária e não haveria a necessidade de submetê-la ao crivo das comunidades indígenas, sob pena de violação à separação de poderes. A decisão caberia ao presidente da República, por competência privativa, e ao ministro da Saúde, por delegação.
Jorge Ferraz de Oliveira Júnior acolheu a tese do MPF. Para ele, houve lesão das comunidades indígenas pelo ato omissivo da União. Isso porque a República brasileira reconhece a existência de identidades indígenas com direito a autodeterminação e, portanto, uma sociedade pluriétnica. Portanto, essas comunidades têm o direito a serem consultadas previamente em decisões que lhes dizem respeito.
“A Constituição Federal de 1988, em conjunto com diversos documentos internacionais dos quais o Brasil é signatário — notadamente, a Convenção n. 169 da OIT —, reconheceu a multiculturalidade de nosso Estado, ao assentar a noção de que, no seio da comunidade nacional, há grupos portadores de identidades específicas e que cabe ao direito assegurar-lhes o controle de suas próprias instituições e formas de vida e seu desenvolvimento econômico, e manter e fortalecer suas entidades, línguas e religiões, dentro do âmbito do Estado onde habitam”, afirmou.
Dentre os trechos do documento ressaltados pelo juiz, estão os que estabelecem que os serviços de saúde para os indígenas “deverão ser planejados e administrados em cooperação com os povos interessados”, e que eles “deverão ter o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento”.
O juiz afirmou, ainda, que a indenização por dano moral coletivo tem caráter punitivo e pedagógico, por funcionar como desestímulo à repetição da conduta. Por isso, o valor fixado deve atingir esse objetivo dissuasório. De acordo com ele, o conceito de dano moral coletivo não deve ser restringido ao sofrimento ou à dor pessoal, e sim ser compreendido como a violação, injusta e intolerável, a valores fundamentais da coletividade. Ele cita jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no mesmo sentido.
Leia aqui a íntegra da decisão.
Ação Civil Pública nO 0033472- 05.2016.4.01.3900

 

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