A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara começou a discutir nesta quarta-feira (21/8) as Propostas de Emenda à Constituição 187/2016 e 343/2017, que tratam da exploração agropecuária, parceria agrícola e exploração dos recursos hídricos e minerais em terras indígenas.
As PECs, que tramitam em conjunto no Congresso, com forte pressão da bancada ruralista, foram alvo de manifestação de representantes dos povos indígenas, presentes nesta semana em Brasília.
Na CCJ, as duas propostas foram dissociadas e devem ser votadas na próxima quarta-feira (28/8). Depois de aprovadas na comissão, serão analisadas em uma comissão especial antes de ir a votação em Plenário.
Sobre o tema, também se manifestou a INA (Indigenistas Associados), associação dos servidores da Funai, em nota pública divulgada nesta quinta-feira (22/8).
“Trata-se de propostas de conteúdo francamente regressivo, ao adotar princípios de política indigenista que evocam épocas superadas, quando se acreditava que os indígenas seriam inexoravelmente assimilados ao ecúmeno nacional, cabendo ao Estado administrar esse processo pela via do exercício da tutela de pessoas e de povos.”
A PEC 187 acrescenta um novo parágrafo ao artigo 231 da Constituição, que autoriza “atividades agropecuárias e florestais” nas terras indígenas e a “praticar os atos necessários à administração de seus bens e comercialização da produção”.
De acordo com a INA, “o próprio texto constitucional e a legislação ambiental brasileira assegura aos indígenas o direito de usufruir das riquezas existentes em suas terras”, desde que observadas “diversificadas estratégias de gestão territorial e ambiental, que primam pelo uso sustentável e pela conservação dos recursos naturais essenciais à reprodução física e cultural dos povos indígenas”.
Já a PEC 343 introduz outro dispositivo no artigo 231 da Constituição para abrir as terras indígenas a “parceria agrícola e pecuária”, na qual uma das partes seria composta por “brasileiros que explorem essas atividades, conforme o interesse nacional, na forma compatível com a política agropecuária”.
Para a INA o dispositivo propõe, “sem disfarce”, “a abertura da modalidade de terras públicas que são as terras indígenas à exploração econômica por particulares não indígenas, em flagrante violação à noção de usufruto exclusivo por parte dos detentores da posse (os indígenas)”.
Ao final, os servidores da Funai pedem que as PECs 187 e 343 sejam arquivadas “pois são, claramente, contrárias aos preceitos constitucionais que fundamentam os direitos que tais propostas visam suprimir -o usufruto exclusivo dos povos indígenas aos seus territórios”.
Leia a íntegra da nota da INA
NOTA SOBRE AS PECs 187/16 e 343/17
A Indigenistas Associados (INA), associação de servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai), vem por meio desta manifestar sua análise técnica em relação às Propostas de Emenda à Constituição (PECs) nos. 187 e 343.
Trata-se, com efeito, de propostas de conteúdo francamente regressivo, ao adotar princípios de política indigenista que evocam épocas superadas, quando se acreditava que os indígenas seriam inexoravelmente assimilados ao ecúmeno nacional, cabendo ao Estado administrar esse processo pela via do exercício da tutela de pessoas e de povos.
Sob o marco da Constituição Federal (CF) de 1988, não é esse, felizmente, o atual paradigma da política indigenista brasileira, que acolhe a perspectiva de cidadãos e coletivos indígenas capazes de representar a si mesmos e de exercer o direito a permanecerem étnica e culturalmente diferenciados no seio da sociedade que conosco compartem. Contra o pano de fundo desse generoso fundamento constitucional do indigenismo nacional, as PECs em questão mostram uma inequívoca face de restrição de direitos.
A PEC 187 propõe que o artigo 231 da CF seja acrescido de um novo parágrafo, a fim de autorizar as comunidades indígenas a desenvolver “atividades agropecuárias e florestais” nas terras que tradicionalmente ocupam e a “praticar os atos necessários à administração de seus bens e comercialização da produção”. A autorização, no entanto, não faz sentido, tendo em vista o conceito de usufruto vazado no mesmo artigo.
Respeitadas as limitações dispostas no próprio texto constitucional e na legislação ambiental brasileira, os indígenas têm o direito de usufruir das riquezas existentes em suas terras. Esse direito deve ser entendido à luz de diversificadas estratégias de gestão territorial e ambiental, que primam pelo uso sustentável e pela conservação dos recursos naturais essenciais à reprodução física e cultural dos povos indígenas, construídas por diferentes comunidades e povos, que certamente podem incluir as atividades agropecuárias e florestais, mas que não se limitam a estas.
Portanto, o novo dispositivo seria, por um lado, inócuo, na medida em que pretende autorizar o que já pode ser e, em muitos e variados casos, já é feito por indígenas em suas terras. Por outro lado, porém, ao deixar de explicitar e de elencar outros tipos de atividades produtivas exercidas por grupos indígenas em território brasileiro – produção de mel, extrativismo de sementes, óleos e frutos, artesanato, carcinicultura, turismo de base comunitária e sustentável, etc. – daria ensejo a equívocos de interpretação do direito ao usufruto.
Em realidade, o tratamento da matéria em viés realista e adequado aos atuais princípios indigenistas nacionais não requer alteração do texto constitucional, mas, sim, aprimoramentos pontuais da legislação infraconstitucional e, sobretudo, apoio no plano das políticas públicas.
Basta registrar que o Plano Safra 2019 foi aprovado com um orçamento de R$44 bilhões, dos quais uma parte infinitesimal é acessada pelos povos indígenas devido à absoluta falta de interesse das instituições bancárias na construção de soluções diferenciadas que ampliem a viabilidade desse acesso. Já a Funai, de sua parte, dispõe de um orçamento de R$153 milhões de orçamento discricionário, dos quais apenas R$ 12 milhões destinados a custear atividades produtivas indígenas em todo o território nacional, o que, a duras penas, se faz em articulação interinstitucional e à luz da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas –PNGATI (Decreto 7.747/ 2012) e do cruzamento desta com outras políticas (Agricultura Familiar, Assistência Técnica e Extensão Rural, Agroecologia e Produção Orgânica, entre outras).
A PEC 343, por sua vez, pretende alterar o artigo 231 da CF não de maneira inócua, desfocada e potencialmente geradora de equívocos interpretativos, como a anterior; mas de modo muito mais pernicioso aos direitos indígenas hoje assegurados.
Em primeiro lugar, opera sobre dimensão fundamental do conceito de usufruto presente no referido artigo constitucional: o da exclusividade aos indígenas. Quer a PEC 343 que as terras indígenas, bens da União sobre os quais os indígenas detêm a posse permanente, possam ser espaço para o exercício de certo tipo de “parceria agrícola e pecuária” na qual uma das partes seria composta por “brasileiros que explorem essas atividades, conforme o interesse nacional, na forma compatível com a política agropecuária”. Trata-se, sem disfarce, de propor a abertura da modalidade de terras públicas que são as terras indígenas à exploração econômica por particulares não indígenas, em flagrante violação à noção de usufruto exclusivo por parte dos detentores da posse (os indígenas).
Em segundo lugar, a PEC em questão retroage ao superado modelo tutelar de exercício de qualquer política indigenista, ao propor que tais parcerias agrícolas e pecuárias sejam celebradas não com os próprios indígenas, mas com a Funai. Quer-se alijar os indígenas, portanto, não apenas do direito ao usufruto exclusivo das riquezas das suas terras, mas da própria condição de sujeito de direito, representados que seriam, na relação de “parceria”, por uma entidade estatal extemporânea e inconstitucionalmente reconduzida ao papel de sua tutora.
Por fim, a PEC 343 propõe alteração no regramento de um dos pontos em que a CF trata justamente de limitar o usufruto indígena das riquezas presentes em suas terras: “o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais”. A matéria, hoje dependente de autorização do Congresso Nacional, perderia esse requisito, implicando injustificável anulação da etapa de submissão de projetos concretos ao escrutínio dos representantes populares alocados no Legislativo. O consequente desequilíbrio de Poderes, em favor de um imperial Executivo, resulta problemático do ponto de vista dos direitos indígenas, sobretudo num momento em que seu principal mandatário manifesta, de público, vontade de abrir as terras indígenas à mineração, atividade de reconhecido potencial danoso às comunidades locais.
Às razões acima elencadas, a INA vem acrescentar a lembrança de que as PECs 187 e 343, ao se constituírem em medidas legislativas que afetam diretamente os povos indígenas, deveriam ter tramitado precedidas por etapa de consulta livre, prévia e informada a representantes desses povos, nos termos do que determina o artigo 6o da Convenção no. 169 da Organização Internacional do Trabalho, norma de status hierárquico supralegal, ratificada no Brasil por meio do Decreto Legislativo nº. 143/2002 e promulgada pelo Decreto Presidencial nº. 5.051/ 2004.
As PECs 187 e 343 devem, portanto, ser arquivadas, pois são, claramente, contrárias aos preceitos constitucionais que fundamentam os direitos que tais propostas visam suprimir – o usufruto exclusivo dos povos indígenas aos seus territórios.
Veja o texto das duas Propostas de Emenda à Constituição:
PEC 187/2016
Artigo único. Acrescente-se ao art. 231, da Constituição Federal de 1.988, o seguinte parágrafo oitavo:
“Art. 232:……………………..
§8º As comunidades indígenas podem, de forma direta e respeitada a legislação pertinente, exercer atividades agropecuárias e florestais nas terras mencionadas no §1º deste artigo, sendo autônomas para praticar os atos necessários à administração de seus bens e comercialização da produção.”
PEC 343/2017
Art. 1º O art. 231 da Constituição Federal passa a vigorar a seguinte redação:
“Art. 231. …………………………
§ 3° O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados se ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
§ 4° As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis, ressalvando-se as seguintes condições simultâneas para fins estratégicos de implantação de parceria agrícola e pecuária entre a Funai – Fundação Nacional do Índio, e brasileiros que explorem essas atividades, conforme o interesse nacional, na forma compatível com a política agropecuária:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis, visando sua preservação;