Grupo português desiste de construir hotel em área indígena na Bahia

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Foto: Divulgação

O grupo português Vila Galé anunciou nesta segunda-feira (18) que desistiu de construir um resort de luxo de R$ 150 milhões numa área do sul da Bahia demarcada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) como de habitação tradicional indígena da etnia Tupinambá.

O empreendimento, batizado de Vila Galé Costa do Cacau, estava previsto para ser construído numa área paradisíaca do litoral de Una, município vizinho a Ilhéus. Anunciado em junho de 2018, tinha previsão de ser entregue em 2021, mas as obras ainda não tinham sido iniciadas.

O Vila Galé Costa do Cacau seria “um resort all inclusive com 467 unidades habitacionais”, conforme a descrição no site do Grupo Vila Galé, sediado em Lisboa, Portugal, e considerado um dos maiores do ramo hoteleiro português. Piscinas (externa e interna), Clube Nep (espaço infantil), Spa Satsanga, quadras poliesportivas, restaurantes e bares faziam parte do projeto.

Mas o impasse sobre a demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença, de 47,3 mil hectares, entre os municípios de Una, Ilhéus e Buerarema, e um pedido a favor do empreendimento por parte da Embratur (empresa federal), deixou o Vila Galé Costa do Cacau em maus lençóis.

No ofício à Funai em 26 de julho de 2019,  a Embratur manifestou interesse “no encerramento do processo de demarcação de terras indígenas”. O documento sobre o lobby se tornou público no dia 28 de outubro pelo site The Intercept, responsável pela série de reportagens intitulada de “vaza-jato”.    

No comunicado ao CORREIO, o Vila Galé diz que se vê “forçado a abandonar o projeto”, mesmo que possua “o apoio explícito da Prefeitura de Una, do Governo Estadual da Bahia e dos órgãos de Turismo do Governo Federal, por se tratar de uma obra de maior relevância econômica e social”.

“Apesar de alguns poucos sem razão prejudicarem toda uma população que se vê privada da oportunidade de ter emprego num projeto de prestígio, vamos ser forçados a abandonar este projeto”, diz o comunicado.

Clima de guerra
O Grupo Vila Galé diz que “não é de nosso interesse que um hotel resort nasça com a iminência de um clima de ‘guerra’, ainda que injusta e sem fundamento, como são exemplo as ameaças proferidas na Embaixada de Portugal em Brasília e algumas declarações falsas, dramáticas e catastróficas que deveriam envergonhar quem as profere”.

“Queremos deixar o nosso profundo reconhecimento à Embaixada de Portugal em Brasília e a todas as Entidades Oficiais Brasileiras, incluindo Deputados Federais e Estaduais que nos apoiaram neste processo. Este extraordinário apoio e incentivo das entidades oficiais leva-nos a manter a intenção de investimento em Una e na Bahia, no mais curto prazo”, afirma o Vila Galé.

Na área demarcada pela Funai em 2009 como sendo a Terra Indígena Tupinambá de Olivença vivem cerca de 4,5 mil índios, divididos em 23 aldeias. A maior parte deles se concentra na região da Serra do Padeiro, em Buerarema.

De acordo com indígenas, a área do Vila Galé Costa do Cacau englobaria cerca de 800 hectares da terra tupinambá, onde estão também praias desertas, vegetações nativas da Mata Atlântica e áreas de mangue do rio Acuípe, na divisa entre Una e Ilhéus. Na mesma área vivem cerca de 250 famílias de índios da aldeia Acuípe de Baixo.

O Grupo Vila Galé, contudo, não reconhece haver área indígena ou a presença de índios no local onde construiria seu resort, e diz que desde que anunciou o empreendimento “não surgiu qualquer reclamação ou reivindicação, apesar de ser pública e notória em toda a região a notícia do projeto”.

O grupo português informou que o terreno onde pretendia construir o empreendimento fica em “propriedade privada”, e que em maio de 2018 celebrou acordo de parceria com empresa brasileira proprietária de 60 hectares para o desenvolvimento de um resort hoteleiro numa área de 20 hectares, em Una. Diz que “no local e num raio de muitos kms, não havia nem há qualquer tipo de ocupação/utilização, nem sinais de qualquer atividade extrativista por parte de quem quer que seja” e que “não existe qualquer reserva indígena decretada para esta área, nem previsão de vir a ser”.

“Passaram três mandatos governamentais anteriores, com vários Ministros da Justiça e nenhum deles aprovou a demarcação das terras indígenas. Certamente porque não encontraram fundamento legal para o efeito de decretar uma gigantesca área de reserva. Em resumo, não há sinais de ocupação indígena de qualquer espécie nesta área”, afirma o grupo português.

Demarcação
A demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença já passou por todas as fases de contestação e, desde 2016, depende apenas da publicação da portaria declaratória por parte do Ministério da Justiça para ser homologada. Funai e Incra até já fizeram levantamento das propriedades (cerca de 600 fazendas) a serem indenizadas num processo de retirada da área indígena.

Em 2016, fazendeiros tentaram derrubar a demarcação da Funai no Superior Tribunal de Justiça (STJ), chegaram a conseguir em junho daquele ano uma liminar dada pelo ministro Napoleão Maia Filho, mas em setembro do mesmo ano a decisão foi anulada por unanimidade pelo STJ.

No dia 14 de novembro de 2019, após a repercussão do caso do lobby da Embratur a favor do Vila Galé Costa do Cacau, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), ligado ao Ministério dos Direitos Humanos, expediu recomendação ao Ministério da Justiça, Governo da Bahia, Funai, Embratur e Inema (órgão ambiental estadual), com vários pedidos de providências, e com 30 dias para o pedido de respostas.  

Ao Ministério da Justiça foi pedido de “tome as providências necessárias à imediata conclusão do procedimento de delimitação n° 08620.001523/2008-43, para fins de expedição da portaria de delimitação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença”. Procurado pelo CORREIO, o Ministério da Justiça não respondeu.

Ao Governo da Bahia, pediu-se que “adote providências imediatas para a garantia da integridade pessoal do povo Tupinambá de Olivença, conforme recomendações emergenciais já expedidas por este CNDH em 16/05/2019, até o momento sem resposta desse mandatário”.

Também foi pedido ao Governo do Estado que “promova medidas junto ao Comando Regional Sul da Polícia Militar do Estado para fazer cessar atos de intimidação praticados por policiais designados para o policiamento da área correspondente à TI Tupinambá de Olivença”. O Governo da Bahia e a Polícia Militar foram procurados pela reportagem, mas não deram resposta.

O CNDH recomendou à Embratur que “se abstenha de adotar qualquer conduta que interfira na regular tramitação do processo de demarcação da TI Tupinambá de Olivença, advertindo-o, à luz do art. 11, I, da Lei n° 8.429/92, de que a interferência extemporânea em atos de reconhecimento de direitos territoriais indígenas exorbita o âmbito de competência de sua autarquia”.

Já para a Funai, a recomendação foi para que “se abstenha de adotar qualquer medida tendente ao atendimento do pleito deduzido no ofício da Embratur, bem como de qualquer interesse de natureza econômica e/ou turística em detrimento ao regular reconhecimento da Terra Indígena Tupinambá de Olivença”.

Funai e Embratur não responderam aos contatos da reportagem. O CNDH recomendou ao Inema que “revise e suspenda eventuais licenças ambientais e autorizações de supressão de vegetação pedidas e/ou concedidas na área delimitada pelo relatório aprovado pelo Despacho n° 24, de 17/04/2009, da Presidência da Fundação Nacional do Índio, publicado no DOU 20/04/2009, Seção 1, p. 52, até a conclusão do procedimento de demarcação n° 08620.001523/2008-43”. O Inema também não respondeu.

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