O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que objetiva regularizar ambiental e fiscalmente a produção agrícola, por meio de lavouras mecanizadas, nas Terras Indígenas Rio Formoso, Paresi, Utiariti, Tirecatinga e Irantxe, em Mato Grosso foi assinado esta semana pelo Ministério Público Federal (MPF), por meio do Ofício de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, pela Fundação Nacional do Índio (Funai), pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pelas Cooperativas Agropecuária dos Povos Indígenas Haliti, Nambikwara e Manoki (Coopihanama) e dos Produtores Rurais da Cultura Mecanizada da Etnia Paresi de Tangara da Serra/MT (Coopermatsene). Com a assinatura do TAC, os indígenas poderão retomar a utilização a área designada no documento para a produção agrícola mecanizada a fim de vender no mercado externo.
A assinatura do TAC foi possível em razão da intermediação do MPF, após longo processo infrutífero para o licenciamento ambiental da área plantada, em que se constatou parcerias irregulares com não-índios e o cultivo de transgênicos, culminando no embargo da área pelo Ibama. Após anos de discussão com a Funai e o Ibama, as negociações do TAC tiveram início em setembro do ano passado, e se estenderam até outubro deste ano, quando o texto foi finalmente fechado com as procuradorias federais dos dois órgãos e foi possível desembargar as áreas para que os indígenas voltassem a plantar, agora de forma correta, atendendo o que preconiza a lei.
“A agricultura dos Paresi já dura mais de uma década e meia e, ao longo desse período, houve arrendamento, parceria, vários tipos de participação de não-índios dentro das TI, o que constitui crime. O não-índio que arrenda e cultiva em terra indígena comete crime de usurpação de terras da União, e o indígena que dá sua terra em arrendamento, crime de estelionato. Então, ao longo desses 15 anos, muitas situações aconteceram e agora é a hora de regularizarmos”, esclarece o procurador Ricardo Pael.
Pael ressaltou que é função institucional do MPF zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição Federal, defendendo judicialmente os direitos e os interesses de todos, especialmente nas questões indígenas. “Muito foi falado de que o MPF é contra a agricultura em terras indígenas, o que não é verdade. Não existe nenhuma lei, nem dispositivo constitucional que proíba a produção agrícolas em TIs. Tanto isso é verdade que temos exemplos de indígenas que produzem em suas terras e recebem premiações internacionais, como é o caso dos Suruí, que produzem café em Rondônia, e dos Kisêdjê, premiados pela ONU pela produção de óleo de pequi aqui mesmo em Mato Grosso”, conta.
Com a assinatura do TAC, os indígenas se comprometem a respeitar a posse e o uso coletivo do solo das TIs, sendo utilizados para o plantio de lavoura ou outras atividades agropecuárias, sempre com decisão coletiva da comunidade e seguindo suas diretrizes, ferramentas e tecnologias sustentáveis, buscando parcerias e convênios com órgãos de pesquisa e assistência rural. Além disso, deverão desenvolver programas de incentivos às roças tradicionais e elaborar e implementar um sistema de repartição justa de benefícios, que atenda toda a comunidade, independentemente do envolvimento direto com a atividade agropecuária, assim como um plano de aplicação dos lucros.
Os indígenas também se comprometeram a respeitar a legislação ambiental e não utilizar sementes nem plantas geneticamente modificadas, assim como não realizar a ampliação da área de plantio, conforme consta do documento. A exploração da terra e o desenvolvimento da atividade agrícola na TI deverá respeitar o usufruto exclusivo previsto no art. 231 da Constituição Federal, ou seja, deverá ser feita exclusivamente por indígenas, não celebrando contratos que possam caracterizar arrendamento ou parceria com não-índios, sob pena de rescisão do TAC e retorno dos embargos anteriormente impostos pelo Ibama. O prazo para que o processo de licenciamento da atividade agrícola, objeto do TAC, seja iniciado pelos indígenas é de um ano, a contar da data da assinatura do termo.
O TAC também prevê que a partir da safra 2020/2021 somente será permitido utilizar financiamento ou linha de crédito que seja provida por instituição financeira regular, pública ou privada, podendo ser rescindido o termo se constatado o financiamento particular que caracterize parceria com não-índios, sem prejuízo da responsabilização criminal dos envolvidos por crime contra o sistema financeiro.
O prazo para que o processo de licenciamento da atividade agrícola, objeto do TAC, seja iniciado, é de um ano, a contar da data da assinatura do termo. Os indígenas também se comprometeram a não utilizar sementes nem plantas geneticamente modificadas, assim como não realizar a ampliação da área de plantio, conforme consta do documento. A exploração da terra e o desenvolvimento da atividade agrícola na TI deverá ser feita exclusivamente por indígenas, não celebrando contratos que possam caracterizar arrendamento ou parceria, sob pena de rescisão do TAC.
À Funai caberá orientar as Cooperativas e Associações Indígenas, bem como seus associados, quanto à correta utilização das áreas a serem cultivadas, além de advertir os membros quanto às consequências de eventual descumprimento do TAC, ficando responsável por fiscalizar o cumprimento do acordo.
A articulação de políticas públicas, programas e projetos junto aos demais órgãos de governo com o objetivo de obter linhas de crédito específicas para as atividades produtivas de iniciativa indígena, assim como a necessária assistência técnica para o desenvolvimento sustentável da atividade agrícola ficarão a cargo tanto da Fundação Nacional do Índio quanto do MPF.
Já o Ibama deverá monitorar e fiscalizar o cumprimento do TAC no que diz respeito à abertura de novas áreas, ao desmatamento e ao uso de sementes e plantas transgênicas, além das demais regras ambientais. Deverá, ainda, manter desembargadas as áreas de plantio enquanto o TAC estiver sendo cumprido, bem como embargá-las novamente ao constatar o seu descumprimento.
De acordo com o TAC, as Cooperativas Indígenas deverão prestar contas semestralmente às suas respectivas comunidades indígenas, sob a supervisão da Funai e do MPF. E a Funai acompanhará e monitorará o planejamento, a execução dos plantios e a prestação de contas das atividades agrícolas.
O TAC tem prazo de duração de dois anos, a contar da assinatura, podendo ser prorrogado pelo mesmo período. O descumprimento de qualquer cláusula poderá culminar na rescisão do acordo, sendo restabelecidos os embargos sobre as áreas de plantio, assim como a aplicação de multa diária no valor de R$ 500 a R$ 50 mil.
Entenda o caso – O processo que levou à assinatura do TAC teve início em 2013, quando as comunidades indígenas Paresi, Nambikwara e Manoki protocolaram ofício junto ao Ibama solicitando orientações para realizar o licenciamento ambiental da área plantada. A partir desse ofício, foi aberto o processo de registro das Terras Indígenas Rio Formoso, Paresi, Utiariti, Tirecatinga e Manoki no Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Já em 2015, a Funai encaminhou ofício ao Ibama se posicionando favoravelmente à regularização ambiental e, com isso, o Instituto Ambiental sugeriu a formalização de um TAC seguido de um requerimento de licenciamento ambiental. No mesmo ano, na Conferência Nacional de Política Indigenista, realizada em Brasília, foi aprovada em plenária uma moção de apoio referente ao projeto das lavouras mecanizadas das etnias Paresi, Nambikwara e Manoki.
No ano passado,as lavouras foram cadastradas pelo Instituto de Defesa Agropecuária em Mato Grosso (Indea/MT) para efeito de vigilância sanitária. No mesmo ano, teve fim o prazo de um Compromisso de Ajustamento de Conduta firmado anteriormente apenas entre os indígenas e a Funai, o que ocasionou o encerramento dos contratos de arrendamento e/ou parcerias agrícolas nas TIs. Naquele mesmo ano, porém, pelo fato de os indígenas terem plantado grãos transgênicos, o que é proibido pela legislação brasileira em áreas protegidas, houve aplicação de multas e embargos pelo Ibama.
Com as áreas embargadas, os indígenas ficaram impedidos de plantar e, mais ainda, de comercializar a produção. Além disso, a falta de linhas de créditos regulares, sejam públicas ou privadas, dificulta a produção agrícola dos indígenas, que, no passado, tiveram que recorrer às parcerias e/ou arrendamentos, que são ilegais.
Diante do firme propósito externado pelos indígenas de manter as lavouras mecanizadas respeitando a legislação ambiental e o usufruto exclusivo, o MPF tomou a iniciativa de buscar, junto ao Ibama e à Funai, a assinatura de um TAC que possibilitasse o desembargo das áreas. Além disso, o MPF tem trabalhado pela implantação de um projeto a ser elaborado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e pela Funai para dar assistência e crédito aos indígenas. “Ao fim das negociações foi possível conciliar a proteção ambiental, o usufruto exclusivo e a autodeterminação dos povos indígenas, tudo sem a necessidade de qualquer alteração legislativa ou constitucional que, na verdade, pode prejudicar sobremaneira os direitos dos Povos Indígenas no país”, concluiu o procurador da República.
Assessoria de Comunicação
Ministério Público Federal