Indígena da tribo Terena do Mato Grosso do Sul, David de Oliveira é o diretor do Memorial dos Povos Indígenas, obra de arte planejada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, localizada em frente a um dos pontos turísticos mais visitados do Distrito Federal: o Memorial JK. No ano passado, o museu passou por uma pequena reforma e ganhou dois banheiros novos, além de pintura externa e interna.
É em abril, porém, na comemoração dos 60 anos de Brasília, que o memorial vai receber seu maior presente: o primeiro acervo permanente, depois de 33 anos de fundado. “São 400 itens que fazem parte do acervo da antropóloga Berta Ribeiro, esposa do também antropólogo Darcy Ribeiro”, comenta David Terena. “Ela doou tudo para nós. É uma conquista muito grande para cultura indígena”.
Em entrevista exclusiva à Agência Brasília, Terena conta os planos para potencializar a divulgação da cultura indígena, anuncia obras e planeja construir, em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), um centro de estudos e pesquisas científicas para fortalecer o acervo do museu.
Como o senhor veio administrar o Memorial dos Povos Indígenas?
Nasci na aldeia Terena e, com 18 anos, fui para o quartel servir à minha pátria. Por isso, sofri muita discriminação. Mas, quando se tem objetivo, a gente aguenta o galho. Então, estudei. Fiz até o segundo ano do curso de direito e voltei para minha aldeia no Mato Grosso do Sul, na divisa com a Bolívia. Lá eu via que precisava melhorar a situação da minha aldeia. Por isto, por 30 anos fui indigenista da Funai [Fundação Nacional do Índio] e lá me aposentei. Nesse período todo, me envolvi na luta indígena e no movimento, debatendo no Congresso Nacional a situação dos índios, ajudando muitos deles que chegavam aqui buscando seus direitos fundiários, culturais, atenção à saúde e acesso a escolas. No ano passado, fui convidado para assumir o museu e confesso que não esperava, mas está sendo mais uma chance de ajudar meu povo e o Brasil a entender e valorizar a nossa cultura.
Quando o senhor chegou ao memorial?
Em maio do ano passado. Não conhecia a estrutura daqui. Cheguei e tudo estava uma esculhambação. As pessoas chegavam aqui depois das 19h, amanheciam dentro do museu, fumavam, bebiam. O outro índio que estava aqui permitia essas coisas. Não estava certo. Então, procurei organizar, colocar ordem e disciplina em tudo. Foi difícil, mas a gente conseguiu, mesmo sem ter muitos recursos. Conseguimos melhorar a imagem do Museu do Índio, porque poucas pessoas conheciam aqui. Mas, agora, graças aos nossos parceiros, estamos conseguindo melhorar as coisas por aqui.
Quem são esses parceiros?
O governo [GDF], a Secretaria de Cultura e pessoas que gostam, apreciam e valorizam a cultura indígena.
Hoje, o senhor tem uma ideia do volume de visitas ao memorial?
No ano passado, 31 mil pessoas estiveram visitando o museu. São estudantes, acadêmicos, principalmente do curso de arquitetura, muitos do estado de São Paulo. Tivemos também a visita de uma curadora da Austrália, muitos argentinos, italianos e, claro, a população do Brasil, pessoas que tiveram simpatia pela situação do índio e tentam conhecer um pouco mais vindo aqui. Temos também a vantagem da localização. Aqui na frente está o Memorial JK, e isso ajuda a trazer o público também para cá. É o JK mandando gente aqui para conhecer a cultura dos índios…
O que o visitante encontra hoje no memorial?
Desde setembro do ano passado, estamos com a exposição da primeira associação indígena bem-organizada, a Kabu. Estão aqui dentro com uma exposição sobre a vida das mulheres indígenas Kayapó. Por enquanto é só isso, mas, daqui a uns dias, as coisas vão mudar.
Vão mudar? Tem alguma a novidade?
No dia 19 de abril, vamos receber o primeiro acervo permanente do museu. São artesanatos indígenas, colares, pulseiras, brincos, instrumentos…São 400 itens que fazem parte do acervo da antropóloga Berta Ribeiro, esposa do também antropólogo Darcy Ribeiro. Ela doou tudo para nós. É uma conquista muito grande para a cultura indígena, e isso vai possibilitar uma exposição permanente dentro do memorial. O mobiliário para expor essas peças também vai ser adquirido pela secretaria. Por isto, a partir do dia 15 de fevereiro, vamos ter que fechar o memorial para fazer uma pequena reforma no piso e ajustes para receber o acervo.
Há poucos dias, saiu no Diário Oficial do Distrito Federal um chamamento público para instalação de uma loja de artesanato dentro do museu. Como isso vai funcionar?
Aqui dentro hoje funciona uma lojinha, mas não sabemos ao certo quem deu autorização para ela funcionar. E isso não pode ficar assim. O objetivo desta gestão é fazer a coisa toda certa dentro da lei. O memorial não é para ser de uma só pessoa, porque esta casa é de todas as 220 etnias existentes, é do Brasil. Por isso, em breve, vamos finalizar essa questão. Queremos aqui uma lojinha que comercialize produtos de todos os índios, de todas as tribos. Também faremos um segundo chamamento público para a operação da lanchonete. Queremos que o local sirva alimentação tipicamente indígena, a mesma que é servida lá dentro da tribo. Isso vai contribuir e ampliar o conhecimento do visitante sobre a vida do índio. Pensamos em servir biju, um biscoito feito da mandioca ralada.
O que mais está nos planos?
Faremos também aqui salas para estudos e pesquisas científicas e também um espaço para ampliar o acervo permanente, para que as pessoas possam conhecer a realidade do índio, porque o museu não pode ser só um memorial apenas. Não dá para ser algo estático. Tem que ter movimento. Como vamos oferecer um espaço desse vazio, sem movimento nenhum? Queremos ter aqui um espaço em que os índios, as etnias possam realmente apresentar seus trabalhos. O povo brasileiro não tem interesse na cultura brasileira. A cultura do índio é do Brasil, e precisamos aprender a valorizar isto.
Como funcionariam essas salas de estudo científico?
Estamos buscando uma parceria com a UnB [Universidade de Brasília] para construir esse centro. Queremos montar aqui dentro um centro de estudo científico voltado para explorar as etimologias, as origens, museologia, antropologia e principalmente linguística.
Então seria como um grupo de estudos da cultura indígena?
Isso mesmo. Isso é importantíssimo. Toda hora a Unesco [Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura] manifesta preocupação em relação aos dialetos indígenas que estão desaparecendo. Os jovens das comunidades indígenas não querem mais falar seu dialeto, e com isso a gente está perdendo muita informação. Com um grupo aqui, a gente vai poder ter no memorial um registro de todo esse material que está sendo perdido. E não só o registro, como também vamos movimentar o acervo do memorial.
Há algum outro plano para as comemorações de abril?
A gente descobriu a existência de 80 índios cineastas em todo o Brasil. Estamos procurando uma forma de trazer esses índios para Brasília, no aniversário da nossa Brasília. Planejamos fazer uma programação especial mostrando esses trabalhos. Outra ideia que estamos organizando é trazer um desfile de moda indígena para dentro do memorial, mas tudo ainda está sendo negociado.
O museu está bem-conservado. Passou por reforma recentemente?
Em setembro do ano passado, pintamos tudo com tinta branca. Mais para a frente, queremos fazer um projeto com pinturas que represente todas as etnias e não apenas o Xingu. Também fizemos a reforma do banheiro feminino e do masculino. Foi uma reforma completa, porque estava tudo quebrado. Agora, ainda precisa de muita coisa, e estamos confiantes que vamos conseguir fazer mais algumas reformas.
Agência Brasília