O projeto Família Acolhedora, programa do Governo Federal que proporciona ajuda de custo de um salário mínimo para famílias que se propõem a acolher crianças vítimas de violência não chegou na Reserva de Dourados. Não há nenhuma família indígena cadastrada.
Com isso, crianças vítimas de violência são afastadas da comunidade onde residem e vão para abrigos na área urbana da cidade, situação que, para antropólogos, pesquisadores e autoridades tem consequências desastrosas culturais desses pequenos.
É o que defendeu a antropóloga Silvana Jesus do Nascimento, doutora pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em debate virtual promovido pelo jornal Le Monde Diplomatique. Ao se referir a situação das crianças indígenas de Dourados, que essa semana ganharam notoriedade com o filme “Negligência de Quem?”, ela ressaltou que a população indígena é igual ou superior a de 32 outras cidades de Mato Grosso do Sul e mesmo assim não dispõe do mínimo de estrutura como escolas, postos de saúde rede sanitárias suficientes. Ressaltou a condição de miséria e a falta de tratamentos para dependentes de drogas.
Alertou que 60% das crianças abrigadas na área urbana são indígenas. Para ela não existe estrutura suficiente nem para não-indígenas quando o assunto é a rede de enfrentamento a violência contra a criança e o Adolescente. “Participei de um debate em que estavam alterando a lei da Família Acolhedora em Dourados e o que percebemos foi que não havia equipes nem para atuar com os não-indígenas na prática. Como vou tirar uma criança de uma casa em situação de miséria se não tem grupos suficientes para atender nem para não-indígena?”, questionou.
Segundo Silvana, essa fase não processual é a mais importante que é a retirada da criança e colocada num abrigo. “É aí que deve-se fazer uma intervenção positiva do Estado no sentido de recuperar aquela família para que ela tenha condições de manter aquela criança no seio dela. E se a família não tem condições, é nessa fase processual que se deve pesquisar quem é que vai ter condições dentro da parentela próxima de ficar com a criança. Quando chega ao juiz a criança já saiu da casa dela e está abrigada. O juízo teria que ter formas de obrigar o Estado a estender aquela família, em condições de vulnerabilidade social, maneiras dela se recuperar. A condição primária para o bem-viver de uma criança é mantê-la dentro do seio familiar”, destacou durante o debate.
Adoções de crianças
De acordo com a secretária de Assistência Social de Dourados, Fátima Silveira de Alencar, na Aldeia em Dourados não existe ainda nenhuma família acolhedora, porém existe o Serviço Família Acolhedora, que conseguiu colocar três crianças indígenas em família indígena na Aldeia Jacarezinho, em Amambai esse ano. Segundo ela, há um servidor trabalhando exclusivamente com as lideranças e famílias nas aldeias com fins de capacitar e habilitar famílias indígenas para serem família para acolhimento.
Questionada sobre a falta de inserção de famílias no programa, ela disse que um dos critérios é a participação de uma capacitação de três dias. “O fato é que no ano passado tentamos capacitar seis famílias, mas elas compareceram apenas no primeiro dia e depois desistiram”, disse. Segundo ela esse ano duas adoções foram feitas de crianças indígenas em lares não indígenas.
O que diz o cacique?
O cacique da Aldeia Jaguapiru, Izael Morales, diz que gostaria sim, que todas as crianças em situação de vulnerabilidade social fossem adotadas por um lar indígena. No entanto, ele observa que as crianças, muitas vezes passam anos e acabam crescendo nos abrigos urbanos, sem a oportunidade de receber carinho de um lar de verdade.
Ele observa que muitas famílias indígenas até querem acolher, mas a precariedade em que vivem, impede que tenham condições. “Vejo que em muitos casos a adoção de índios por não índios venceu a barreira cultural por um fator muito importante, o amor que criam entre si”, destaca.