Alice Pataxó tem 19 anos e é uma das jovens influenciadoras indígenas que está conquistando seguidores nas redes sociais. Ela tem Twitter (50 mil seguidores), Instagram (24,5 mil seguidores), YouTube (5 mil inscritos e 25 mil visualizações) e ainda adapta-se, como diz, ao Tik Tok. A popularidade virou uma ferramenta para propagar a cultura dos povos da floresta e ajudar na batalha indígena a favor do território. Em uma manhã de agosto deste ano, a popularidade de Alice foi colocada à prova. A aldeia Novos Guerreiros, localizada entre os municípios de Porto Seguro e Santa Cruz (BA), foi alvo de uma ação de reintegração de posse ordenada pela Justiça Federal em Eunápolis (BA).
O Ministério Público Federal calcula que 24 famílias seriam afetadas. O próprio MPF afirma que a área é disputada por donos de um clube de aviação. Alice abriu o Twitter e criou um “fio” para divulgar o que estava acontecendo. “Estão mais uma vez declarando guerra contra nosso povo”, escreveu. A comunicadora divulgou o vídeo de outra tuiteira, Thyara Pataxó, e recebeu mais de 400 retuítes. Nas redes, Alice ressaltou que as reintegrações estavam suspensas devido à pandemia. O coro se espalhou. A pressão fez outro tribunal federal suspender a reintegração de posse. “Acho que sensibilizamos as pessoas e seria pior se gente tivesse ficado calado, aqui no extremo sul da Bahia” diz para ECOA.
Nem sempre foi assim. Os Pataxó nunca se calaram, mas suspeitavam que uma nova tecnologia do homem branco poderia desviar os jovens das tradições, dos ritos dos antepassados, da comunhão, das danças ao redor da fogueira e da constante luta e manutenção do território. Era um receio semelhante à da chegada da energia elétrica, mas as redes sociais soavam ainda mais atraentes.
Foi Alice quem explicou ao cacique Aratikum Pataxó que o acesso à rede poderia ser útil, uma verdadeira propagadora e defensora da terra onde habitam há tempos incontáveis. “A gente viu que tinha um lado positivo e que poderíamos usar a internet com muita sabedoria”, lembra Alice.
Desde os 14 anos
A comunicadora é ativista desde os 14 anos. O ativismo é uma influência da mãe, pedagoga que foi para a cidade e retornou para dar aula aos Pataxó.
Ainda adolescente, Alice participou de um encontro da ONU Mulheres sobre direitos femininos — ela era a mais jovem do grupo de indígenas — e começou a se envolver no movimento estudantil. Hoje ela diz que há mais jovens no debate e, graças a eles, temas como protagonismo feminino, violência contra a mulher e LGBTs foram adicionadas à tradicional e permanente defesa das aldeias e territórios contra agentes externos. O movimento da juventude é o mesmo que estimulou a propagação de nomes como Hamangaí Pataxó, curadora de Ecoa que discursou sobre direitos indígenas na ONU em Genebra, na Suíça.
“A gente, menina indígena, cresce lutando e precisa crescer e amadurecer muito rápido. Como é que a gente fica depois, com toda essa carga?”. É um dos questionamentos que Alice ainda se faz. Para ela, o feminismo da cidade nem sempre a representa, ou mesmo a considera como uma igual.
“Nossas questões não passam apenas pela igualdade de gênero nas aldeias, mas sobre como estamos vulneráveis fora do território, às vezes sem água potável. São coisas que precisam ser discutidas de forma ampla”, diz. Alice sugere continuar na luta.
“A gente se sente vulnerável e muitas vezes não é abraçada pelo movimento feminista. Mas isso não significa que a gente não seja parte dele. Precisamos lutar cada vez mais para ter mais espaço”, diz.
Em agosto, Alice inaugurou um canal no YouTube sobre literatura indígena. Em breve, vai começar os estudos na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), onde pretende cursar Direito — a universidade tem um curso introdutório de “Humanidades” antes de optar por uma área específica.
Indígena usa celular, sim!
Os novos acontecimentos são parte de um ano movimentado. No início de 2020, Alice começou a publicar sobre a defesa do meio ambiente, contra os incêndios criminosos no Pantanal e na Amazônia; sobre os despejos de aldeias indígenas e a divulgar os saberes dos povos tradicionais no Twitter. Os seguidores cresceram e ela precisou explicar a alguns deles que indígenas podem — e usam! — celular.
“As pessoas ainda acham que aderir à modernidade tira da gente a nossa história e ancestralidade”, diz.
Antes da influência nas redes, a moradora da Aldeia Craveiro passou por reintegrações de posse na Aldeia Aratikun, também do povo Pataxó, em 2016. “Eu não gostava do título, mas ainda era uma criança. Estava no primeiro ano do ensino médio e foi um desastre na minha vida”, lembra. Hoje, tem mais aliados.
“Cresci ouvindo de minha mãe que meus antepassados usavam bodurna [arma indígena] para serem ouvidos e mostrarem que estavam lutando. Com o tempo, usamos a caneta. Hoje estamos descolonizando as telas do computador e falando com o mundo inteiro do celular. A gente mostra que nos adaptamos e não esquecemos de quem somos, não importa se usamos um celular, computador ou se moraramos na cidade. Isso não nos torna menos indígenas”, afirma.
Os próximos anos continuarão disputados. Além de mais vídeos para divulgar a literatura indígena, pretende manter-se atenta e conectada. “Os Pataxó estão em um território cercado por ambições”, diz. “Mas a gente está pronto para lutar”.