A 5ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Pará decidiu que o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) deve aceitar declarações feitas pela Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) como prova de casamento ou união estável entre indígenas. A decisão, que tem abrangência nacional, contemplará aqueles que buscam receber a pensão por morte.
A decisão se deu em resposta a uma ação apresentada pela Defensoria Pública da União (DPU). O órgão relatou à corte casos de indígenas que não puderam obter o benefício deixado por seus cônjuges por não terem selado seu matrimônio ou sua união aos moldes do Código Civil.
Documentos como declaração de união estável e conta bancária conjunta também podem ser usados como prova material mas nem sempre são acessíveis aos povos originários, pontuou a DPU, que são regidos por seus próprios costumes e tradições.
“É desrespeitoso pretender que os povos indígenas estabeleçam união estável nos moldes como a população não indígena conhece e, principalmente, almejar que façam a prova documental, tendo em vista a situação peculiar de cada comunidade, pautada nas tradições locais”, afirmou a juíza Mariana Garcia Cunha, da Justiça Federal da 1ª Região.
A magistrada destacou ainda que os indígenas têm realidades diversas, desde os que vivem em centros urbanos e têm acesso a documentos previstos pelo regimento do INSS aos que habitam regiões mais isoladas. E afirmou que a colaboração da Funai, que acompanha os grupos de perto, deve ser mais valorizada.
“A Funai representa o próprio Estado na ponte entre os povos indígenas e o poder público e tem capacidade de documentar aquilo que acontece no núcleo familiar”, disse a juíza.
“A declaração da Funai de união estável, expedida a qualquer tempo, deve ser aceita como prova ou, ao menos, no entendimento do servidor que analisa a demanda caso a declaração seja muito sucinta, como início de prova material, a ser completada por prova testemunhal”, afirmou ainda, determinando que o INSS mude seus procedimentos em até 180 dias. Cabe recurso à decisão.
Ao contestar a ação, a autarquia afirmou que a legislação não autoriza a concessão da pensão de morte apenas com base em certidão da Funai e que o regime de seguridade social pode ser estendido aos indígenas desde que “em igualdade de condições”, com cumprimento dos requisitos impostos a todas as pessoas.
O INSS disse ainda, segundo a decisão, que “a preservação da cultura indígena é algo voluntário, não imposto, e é pautada por uma economia não monetária, onde não circula dinheiro, razão pela qual não faria sentido deferir aos indígenas uma prestação pecuniária”.
A decisão da 5ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Pará acolheu a argumentação apresentada pela DPU de que a exigência de que os povos indígenas se adequem a parâmetros da legislação civil fere a Constituição Federal e uma convenção da Organização Internacional do Trabalho.
“A Constituição da República de 1988 consagra expressamente o reconhecimento do modo de vida de indígenas, garantindo a estes tratamento adequado conforme suas particularidades”, afirmou o defensor regional de direitos humanos Raphael de Souza Lage Santoro Soares, ao apresentar a ação.
Santoro relatou casos de indígenas que se dirigiram ao INSS para solicitar a pensão por morte e levaram consigo certidão de nascimento, RG e CPF, seus e do cônjuge morto, além de certidão de óbito. O órgão, no entanto, entendeu não ser possível comprovar a qualidade de dependente e de beneficiário.
“O INSS limitou-se a indeferir os requerimentos administrativos, sem observar as particularidades do caso”, disse o defensor regional.
Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal também se posicionou a favor de que a certidão expedida pela Funai seja considerada suficiente para comprovar a qualidade de dependente em caso de pensão por morte.
(Mônica Bergamo/Folhapress)