Os 535 hectares de vegetação preservada na Terra Indígena dos Tingui-Botó, região do Agreste de Alagoas, são o local adequado para a implantação de um sistema produtivo de mel de abelhas (Apis mellifera). Nos dias 14 e 15 de junho, os apicultores indígenas participaram da 2ª Oficina de Capacitação e Atualização Tecnológica no Sistema Produtivo do Mel de Abelha, promovida pela Embrapa Alimentos e Territórios com o apoio do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida).
A oficina aconteceu na Terra Indígena Tingui-Botó, na comunidade Olho D’Água do Meio, município alagoano de Feira Grande. Desta vez, o foco da oficina foram as técnicas aplicadas no processo produtivo, os equipamentos necessários para a atividade apícola, os produtos que podem ser extraídos das colmeias e noções sobre marcas e selos de produtos apícolas. Cerca de 30 indígenas participaram da oficina.
“A apicultura é uma atividade que depende de muitos fatores, inclusive da ‘cabeça’ do animal. Não conseguimos controlar a cabeça das abelhas como fazemos com as plantas, mas existem condições ideais que propiciam o sucesso da atividade”, explicou o pesquisador da Embrapa Alimentos e Territórios, Moacir Haverroth, biólogo, mestre em antropologia social e doutor em saúde pública.
A atividade apícola na Terra Indígena Tingui-Botó teve início em dezembro de 2022 quando, após uma consulta à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o pesquisador identificou que os cerca de 55 jovens que fazem parte da associação tinham interesse em produzir mel, inicialmente como fonte de alimento e insumo medicinal.
De lá para cá, já foram instaladas quatro caixas de abelhas que já estão produzindo um mel claro, com sabor levemente adocicado. A fase ainda é de experimentação, mas os apicultores indígenas relataram que já conseguem produzir cerca de 10 litros de mel por colmeia.
“A Embrapa foi importante no desenvolvimento da produção, pois ofertou cursos e material específico para o início da atividade. Se não fosse essa ajuda, íamos demorar mais de um ano para conseguir produzir”, relata Nawan Tingui-Botó, o Galego (foto), apicultor e presidente da Associação de Jovens Produtores Indígenas Tingui-Botó.
Além das vantagens de se produzir o mel e diversos outros produtos a partir da cadeia apícola, Haverroth também destacou os diferenciais da região para a produção do mel. “O Nordeste é uma área favorável para a atividade apícola, pois a Caatinga é um bioma que produz boa florada. Aqui, conseguimos ter uma produção de mel muito boa, que é o mel do sertão e do agreste alagoano. Isso, por si só, já é um apelo chamativo para a implementação dessa atividade”, disse o pesquisador da Embrapa.
Outro ponto destacado no curso foi a importância de a comunidade montar o seu calendário apícola, associando as espécies que dão flor com as abelhas da região. O pesquisador também ressaltou a necessidade de se alimentar as abelhas quando a vegetação não estiver florindo, para que elas se mantenham nas caixas e estejam fortes quando tiver início a nova florada.
As oficinas de apicultura ministradas pela Embrapa fazem parte do projeto Segurança Alimentar e Nutricional e de geração de renda para agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais do Semiárido brasileiro, desenvolvido no âmbito do Projeto Dom Hélder Câmara, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e cofinanciado pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida).
A medicina de dona Selma – Foi pelas mãos do jovem Tingui-Botó Kauã, de 19 anos, que chegamos à casa de Dona Maria Selma (foto), benzedeira da aldeia. Filha do pajé Adalberto Ferreira da Silva e mãe do futuro pajé Wirãn, ela conta que o mel é um produto essencial para a produção de suas medicinas à base de ervas, como o lambedor, xarope muito utilizado para curar a tosse das crianças.
“Aqui, na aldeia, o conhecimento sobre as plantas é passado de geração em geração e, em quase todos os preparos, utilizamos o mel”, conta.
Mel indígena e outros produtos– Os apicultores indígenas também participaram de uma oficina cujo tema foi Beneficiamento, Embalagem, Comercialização, Registros e Marcas Coletivas. O pesquisador Moacir Haverroth mostrou ao grupo um mapa que apontava a distância dos possíveis mercados consumidores do mel indígena, dentre eles as capitais Maceió, Aracaju e Salvador.
“Temos que imaginar quem vai comprar o mel que vocês vão produzir. Também precisamos pensar na marca Tingui-Botó. O que o mel de vocês tem de diferencial?”, provocou o pesquisador da Embrapa.
Haverroth também destacou a importância do registro do apiário junto ao Serviço Estadual de Defesa Sanitária Animal e ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), pasta que abriga o Programa Nacional de Sanidade Apícola (PNSAp). Também foram repassadas informações sobre a legislação do setor e as oportunidades de se obter selos distintivos para o mel indígena, como o Selo Arte, específico para produtos apícolas; o Selo Nacional da Agricultura Familiar (Senaf Indígena) e a Indicação Geográfica concedida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), que identifica a origem de um produto ou serviço que tem certas qualidades graças à sua origem geográfica. “Para o futuro, queremos nos desenvolver cada vez mais, pois sabemos que temos um mercado pela frente a conquistar”, projeta Nawan Tingui-Botó.
Os dois dias de oficina foram acompanhados pelas indigenistas especializadas da Funai Juliana Duarte e Ivana Vieira. A capacitação foi encerrada com o ritual do Toré, uma manifestação cultural de grande importância para os indígenas, envolvendo tradição, música, religiosidade e brincadeiras. A cerimônia, uma dança circular acompanhada por cantos ao som de maracás e apitos, é presente em diversas etnias do Nordeste do Brasil.
Irene Santana (MTb 11.354/DF – Colaborou: Ana Eugênia Brito)