A voz falhou, e a professora Diva Guimarães, de 77 anos, teve que respirar fundo algumas vezes para conseguir iniciar a fala emocionada que tocou o público da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), em julho deste ano. “Sou neta de escravos. Aparentemente, a gente teve uma libertação, mas que não existe até hoje”, disse. As palmas serviram de pano de fundo para o discurso de uma mulher negra em meio a uma plateia majoritariamente branca. Naquele momento, as lágrimas eram também do ator Lázaro Ramos, a quem ela pediu a palavra no painel “A pele que habito”, do qual ele participava ao lado da jornalista Joana Gorjão Henriques. Não era pouco o que ela tinha para dizer. Nem pouca gente que quis ouvi-la. Um vídeo do episódio tem 16 milhões de visualizações na internet.
Naquele dia, Diva trouxe uma história de batalhas pessoais que se assemelha à de milhões no Brasil. Exaltou ali — e o permanece fazendo incansavelmente — o valor da Consciência Negra, celebrada hoje, dia da morte do líder quilombola Zumbi, um símbolo da resistência à escravidão, no final do século XVII. Seu testemunho tratou dos absurdos cometidos pelo racismo no Brasil com um notável senso crítico. “Sobrevivi e sobrevivo até hoje, como brasileira, porque tive uma mãe que fez de tudo para que eu estudasse”, contou.
Segundo dados do IBGE, 55% da população brasileira se autodeclara preta ou parda. Apesar de maioria, ainda estão em desvantagem em termos de renda e escolaridade. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) trimestral registra que trabalhadores pretos e pardos recebem pouco mais da metade do rendimento médio dos brancos no Brasil. Quando se fala em educação, a realidade também é desigual. Entre a população com 25 anos ou mais, segundo dados da Pnad de 2015, 7,4% dos brasileiros brancos não têm instrução. O número sobe para 14,4% entre pretos ou pardos — índice 3% mais alto que a média nacional.
Oficializado por uma lei de 2011, o Dia Nacional da Consciência Negra é um convite à reflexão sobre a representatividade negra na sociedade brasileira. Para Diva, a data até pode dar visibilidade ao tema, mas é pouco:
— Consciência é toda hora. Dia do negro é todo dia — ressalta.
Gidson Gabriel/Rádio Terena