Um grupo de trabalho interinstitucional irá acompanhar os processos criminais que envolvem indígenas em Mato Grosso do Sul. A decisão foi tomada na tarde desta quarta-feira (14) durante a audiência pública “Justiça Criminal e Detentos Indígenas em Mato Grosso do Sul”, proposta pelo deputado João Grandão (PT) e realizada no Plenário Nelito Câmara, na Assembleia Legislativa.
A necessidade de criação do grupo decorre dos diversos problemas relativos à acusação e à condenação de indígenas, conforme afirmaram participantes da reunião. Entre as consequências dessa situação, está a elevada taxa de encarceramento de índios das várias etnias do Estado, destacadamente a Guarani Kaiowá.
Números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), citados pelo advogado Luiz Henrique Eloy Amado, que compôs a mesa de autoridades na audiência, mostram que o Estado tem 22.594 presos (até agosto deste ano, levantamento mais recente), o que corresponde à maior taxa de encarceramento do Brasil. São 834,6 pessoas privadas de liberdade por 100 mil habitantes. Essa taxa é quase oito vezes superior à da Bahia, de 106,05, a menor do País.
Esses dados globais se relacionam ao número de detentos indígenas, relativamente expressivo. Eloy Amado, que é membro do Núcleo de Defesa e Assessoria Jurídica Popular em Mato Grosso do Sul (Najup/MS), também informou, com base nas estatísticas da Agência de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen), que há 273 indígenas presos no Estado (dados de setembro deste ano), dos quais 269 foram condenados pela Justiça Estadual e quatro pela Federal. A maioria da população carcerária indígena é da região de Dourados, onde estão os Guarani Kaiowá.
De acordo com o advogado, as prisões, de modo geral, decorrem de processos caracterizados por violações de direitos fundamentais. Ele enfatizou a ausência de intérprete e de laudos antropológicos, problemas também observados por outros participantes da audiência. “Muitos indígenas são ouvidos na delegacia e em juízo sem terem noção do que está acontecendo, do que estão sendo acusados”, notou em referência às distâncias linguísticas e culturais entre índios e não-índios.
As questões apresentadas por Eloy Amado foram reforçadas por outros participantes. O procurador da República no município de Dourados, Marco Antonio Delfino, informou que a taxa de encarceramento de indígenas em Mato Grosso do Sul supera a dos Estados Unidos, país que tem (em números absolutos) a maior população carcerária do mundo.
Ele também relacionou essa situação com as irregularidades processuais. “Não dá pra discutir prisão sem discutir processo”, notou. Além da ausência de intérprete e de laudo antropológico, o procurador destacou outro problema: em geral, somente o capitão (liderança indígena) é ouvido pelas autoridades policiais como testemunha de supostos crimes ocorridos nas aldeias.
“Do ponto de vista processual, isso é um absurdo! Deve-se buscar ouvir pessoas que realmente testemunharam os crimes e não quem ficou sabendo por terceiros da ocorrência”, comentou Delfino. Para ele, a prática de ouvir apenas o capitão é um “produto direto da ausência do policiamento nas comunidades indígenas”. “É fundamental que tenhamos alguma ação em relação às instruções processuais que envolvem indígenas”, cobrou. “Caso contrário, continuaremos tendo em Mato Grosso do Sul uma taxa de encarceramento americana”, finalizou.
Mesa e grupo interinstitucional
Além de Eloy Amado, Antônio Delfino e o deputado propositor, João Grandão, a mesa de autoridades foi composta pela defensora pública-chefe da União em Mato Grosso do Sul, Daniele de Souza Osório, e pela Irmã Adriane Oliveira, assessora jurídica do Conselho Missionário Indigenista (Cimi).
O grupo de trabalho será formado por representantes da Najup/MS, do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), Ministério Público Federal (MPF), Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Mato Grosso do Sul (OAB/MS), Fundação Nacional do Índio (Funai), Advocacia-Geral da União (AGU), Cimi, entre outras entidades.
Entre as ações desse grupo, estão previstas o diálogo com o Tribunal de Justiça e Ministério Público, provocação do debate dessas questões nos ambientes universitários e realização de audiências públicas com a mesma temática em municípios onde se concentra a população carcerária indígena.
O deputado João Grandão avaliou como positivo e necessário o resultado do encontro e enfatizou a gravidade do problema dos processos criminais envolvendo indígenas em Mato Grosso do Sul. “Como foi discutido na audiência, há violações graves de direitos dos indígenas nesses processos”, reiterou, acrescentando que até mesmo o direito básico de saber do que está sendo acusado e condenado é negado aos indígenas.
Agência ALMS