Era outubro de 2013 quando Arumis Benitez embarcou num avião com destino ao Amazonas. Com o diploma de médico debaixo do braço e o sonho de fazer a diferença por onde aquele papel pudesse o levar, deixou Cuba. Foi deslocado, de cara, para atuar no município de Nhamundá, localizado a 375 km de Manaus. Lá encontrou a população inteira da Aldeia Kassauá à ânsia de uma assistência médica. Ele atuou, ao longo desses cinco anos, em distritos indígenas no Amazonas.
Desde o último mês, quando Cuba anunciou a retirada de seus profissionais do Programa Mais Médicos, Arumis ficou sem emprego. Mas não deixou o Brasil. Hoje ele vive no município de Parintins, está casado com uma mulher de origem indígena, tem dois filhos e luta para conseguir se manter no país.
Das 106 vagas que não foram ocupadas no Mais Médicos, 63 estão em Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis). No Brasil, 301 dos 529 médicos nos distritos indígenas eram cubanos — 57%, segundo o Ministério da Saúde. A população atendida nos distritos de saúde indígena é de 818 mil pessoas, segundo o Governo Federal.
O médico aguarda os resultados do Revalida, o exame que valida diplomas do exterior e permite o exercício da medicina no Brasil, e sonha com a naturalização brasileira. Mais que isso: ele espera a valorização do povo de zonas remotas que vivem quase sem assistência básica de saúde.
“São pessoas que não têm acesso à saúde, não têm acesso a uma farmácia. Não têm à disposição uma hospitalização. Não têm nem conhecimento sobre uma prevenção. É o contrário da pessoa que mora na cidade [grande] e que, de certa maneira, tem acesso aos serviços de saúde”.
“Meu primeiro trabalho no Brasil foi como médico geral nas aldeias Riozinho e Kassaúa, no município de Nhamundá. [Desde o início] foi um trabalho muito gratificante. São pessoas que precisam muito mesmo [de assistência médica]”, avalia.
A adaptação
Em Nhamundá, município da Microrregião de Parintins, a população é de quase 21 mil pessoas e ocupa área territorial de 14.107,972 km². Por lá, Arumis assumiu função de clínico geral chefe e se dividia entre trabalhos pela microrregião.
Lotado, oficialmente, no distrito Indígena de Parintins, fazia atendimentos por toda a região, virando referência nos atendimentos a diferentes etnias indígenas que compõem o complexo.
Em um dos relatos, ele fala ainda sobre a fronteira que aprendeu a cruzar com os indígenas e o respeito às suas crenças, numa linha muito tênue que transita entre a medicina tradicional, a pajelança e as linhas evangélicas que, aos poucos, são cada vez mais inseridas na cultura daquele povo.
“Sim, os índios respeitam os médicos sim. Mas depende. Hoje é um pouco mais fácil, pelo fato de eles serem evangélicos. Ele têm um pouco mais de orientação da medicina ocidental deles mesmos também, demoram para aceitar, mas aceitam o que temos a oferecer. Então conseguimos [colocar nossa medicina em prática]. Eles aceitam o nosso receituário, nossa prescrições e nossas orientações”, relata.
O rompimento
Hoje, sem emprego, com uma esposa e dois filhos brasileiros, ele pede respeito. Não só a ele e aos cubanos. Mas ao povo desassistido das pequenas regiões brasileiras.
Ele é defensor da ideia de que um retorno a Cuba não beneficia nenhum dos lados. Nem dos médicos, que se firmaram no Brasil, nem dos brasileiros. Enquanto defende a tese, faz uso de discurso político humanizado.
“Eu fiquei muito, muito triste [quando soube da saída de Cuba do programa], sobretudo pelo povo brasileiro. Eu fazia o meu trabalho só ajudando o povo. Eu sabia: [o Mais Médicos] é um programa que teria fim, sim. Mas não imaginava que o fim seria tão abrupto, tão rápido. Nós, cubanos, merecemos respeito, claro. Mas é o povo brasileiro que merece esse respeito”.
“O governo cubano, da noite pro dia, decidiu, sem uma conversa, pelo fato de o presidente eleito Jair Bolsonaro ter se manifestado com palavras fortes. Mas o governo cubano não valorizou outras coisas.”
“O meu contrato não era com o presidente Jair Bolsonaro, meu contrato era com o povo brasileiro.”