Juízes dizem que ‘esvaziamento’ da Funai põe questão indígena sob lógica meramente produtivista

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Em carta aberta divulgada nesta sexta, 4, a Associação Juízes para a Democracia (AJD) declarou ‘preocupação’ com a edição da Medida Provisória 870, do governo Bolsonaro, a qual retirou da Funai a atribuição de identificar, delimitar e demarcar terras indígenas. A entidade manifestou apoio aos ‘direitos dos povos indígenas’ e clama para que a Presidência da República ‘cumpra seu juramento de honrar a Constituição’,

“A transferência da atribuição sobre processos demarcatórios da Funai para o Ministério da Agricutura, determinada pela referida medida provisória, configura medida não amparada pela sistemática de direitos dos povos indígenas do Brasil”, alertam os juízes.

 

Na avaliação da entidade, ‘tal transferência manifesta-se como uma opção governamental em tratar a questão indígena a partir de uma lógica meramente produtivista, tal como normalmente são tratadas as questões afetas ao Ministério da Agricultura, o que, contudo, não é a lógica das populações originárias’.

Os juízes assinalam que essas ‘populações originárias enxergam os territórios que tradicionalmente habitam como elementos essenciais de modos de vida baseados no sócio-coletivismo, juridicamente legitimado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, pela Constituição de 1988 e pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas’.

Para os magistrados, ‘ao esvaziar a Funai, dela retirando atribuições, (a MP) termina por ameaçar a própria existência da entidade, uma fundação pública, que, nesta condição, deve ter sua autonomia administrativa, patrimonial e financeira respeitadas, sob pena de se subordinar a interesses políticos-partidários de ocasião’.

“Lembra-se que a Funai é, no âmbito da estrutura da Administração Pública, o ente voltado especialmente para a efetivação dos direitos dos povos indígenas. Portanto, enfraquecer, como de fato se está enfraquecendo, essa fundação significa enfraquecer os direitos dos povos indígenas.”

LEIA A ÍNTEGRA DA CARTA ABERTA DA ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA

Carta aberta da AJD ao Estado e à sociedade brasileira: os povos indígenas merecem respeito

A Associação Juízes para a Democracia (AJD), entidade não governamental e sem fins corporativos, que tem dentre suas finalidades o respeito aos valores jurídicos do Estado Democrático de Direito, preocupada com a edição da Medida Provisória 870 de 1.º de janeiro de 2019, a qual retirou da Funai a atribuição de identificar, delimitar e demarcar terras indígenas, vem manifestar-se em favor dos direitos dos povos indígenas, nos seguintes termos:

A transferência da atribuição sobre processos demarcatórios da Funai para o Ministério da Agricutura, determinada pela referida medida provisória, configura medida não amparada pela sistemática de direitos dos povos indígenas do Brasil.

De fato, tal transferência manifesta-se como uma opção governamental em tratar a questão indígena a partir de uma lógica meramente produtivista, tal como normalmente são tratadas as questões afetas ao Ministério da Agricultura, o que, contudo, não é a lógica das populações originárias, as quais enxergam os territórios que tradicionalmente habitam como elementos essenciais a modos de vida baseados no sócio-coletivismo, juridicamente legitimado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, pela Constituição de 1988 e pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

Ademais, ao esvaziar a Funai, dela retirando atribuições, termina por ameaçar a própria existência da entidade, uma fundação pública, que, nesta condição, deve ter sua autonomia administrativa, patrimonial e financeira respeitadas, sob pena de se subordinar a interesses políticos – partidários de ocasião.

Lembra-se que a Funai é, no âmbito da estrutura da Administração Pública, o ente voltado especialmente para a efetivação dos direitos dos povos indígenas. Portanto, enfraquecer – como de fato se está enfraquecendo – essa fundação significa enfraquecer os direitos dos povos indígenas.

Em tal ponto, é importante recordar que, apesar de destinado especificamente a populações historicamente submetidas a práticas colonialistas pelo homem branco, os direitos dos povos indígenas contém, em sua essência, uma defesa universal da humanidade. Com efeito, respeitar os modos de vida sócio-coletivo das populações originárias é preservar modos de vida que não inserem a natureza como objeto de exploração, o que é imprescindível para fazer cessar o elevado grau de destruição de recursos ambientais, fato que ameaça a existência do planeta e, consequentemente, a sobrevivência de todos nós.

Dessa forma, medidas governamentais que enfraquecem os direitos das populações indígenas que vivem no Brasil é enfraquecer a segurança, a saúde e a vida de todas os brasileiros. E o que é mais grave: teme-se que se trate de apenas um ponto inserido em toda uma lógica governamental, que, nestes primeiros dias de gestão, esvaziou o Ministério do Meio Ambiente (transferindo respectivos órgãos para outras pastas) e, dentre outras ações, ainda retirou atribuições do Conselho de Segurança Alimentar.

Por tudo isso, a AJD: a) clama para que a Presidência da República cumpra seu juramento de honrar a Constituição, restituindo as atribuições da Funai imprescindíveis para o respeito dos direitos dos povos indígenas; b) insta à toda sociedade exigir dos agentes governamentais o respeito desses direitos; c) presta solidariedade aos povos indígenas no atual momento em que a violação de seus diretos parece intensificar-se.

São Paulo, 4 de janeiro de 2019.

 

Estadão

 

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