MP quer reparação a indígenas por mortes em conflitos durante ditadura

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Reformatório Krenak, criado em Minas, em 1966, para encarcerar membros da aldeia que andassem “fora da linha”; na prisão, segundo o MPF, indígenas de mais de 15 etnias realizavam trabalhos forçados e sofriam torturas Foto: Michel Filho/21-1-2016

Passados 55 anos do golpe de 1964, povos indígenas continuam esperando a definição para seus pedidos de reparações por supostos abusos cometidos ao longo dos 21 anos do regime. A Comissão de Anistia, que decide sobre reparações e indenizações, já examinou 25 mil processos, dos quais 9.755 preveem algum tipo de reparação econômica. Desses, apenas um envolve indígenas.

De acordo com dados da Comissão da Verdade, iniciativa do governo federal criada para apurar e responsabilizar crimes cometidos durante a ditadura, cerca de 8 mil indígenas morreram em ações do regime. Muitas dessas mortes não teriam sido causadas pela oposição aos militares ou participação em luta armada, mas no que se qualificava à época de “interesse nacional”: a exploração de riquezas naturais, a construção de rodovias e o povoamento de supostos “vazios demográficos”, no Norte e Centro-Oeste

Desde 2012, o Ministério Público Federal (MPF) protocolou seis ações civis com o objetivo de buscar reparações históricas e financeiras aos povos atingidos. Até agora, apenas os avá-canoeiro ganharam em primeira instância.
E a decisão recente da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, de rever, de forma genérica, indenizações concedidas nos últimos anos, não foi vista como um bom sinal no meio. Segundo o procurador Wilson Rocha, tanto a Justiça quanto o Poder Executivo ainda não estão preparados para tratar das violações aos direitos humanos com populações indígenas. O GLOBO procurou o Ministério dos Direitos Humanos, mas não recebeu resposta.

Fronteira com Venezuela

Os waimiri-atroari, que vivem entre o Amazonas e Roraima, por exemplo, se encontram em situação delicada. Seu território é cortado pela BR-174, construída a partir do final da década de 1970. Na ditadura, os militares decidiram que as obras não poderiam ser interrompidas. Foram registrados conflitos entre o Exército e os índios. E a população de quase 3 mil indígenas foi reduzida a pouco mais de 300 indivíduos em 1980. Entre os mortos estão o pai e a mãe de Mario Parwe, uma das principais lideranças do grupo. 

Em fevereiro, com a escalada da crise na Venezuela, de onde vem a maior parte da eletricidade de Roraima, o governo decidiu declarar a obra do linhão de Tucuruí, que vai ligar Roraima ao restante do país, como um empreendimento de infraestrutura de interesse da política de defesa nacional.
— Hoje, estamos sinalizando para não mexer mais (no território). Quando chegou a BR, meu pai morreu. Esse (projeto de) linhão é o mesmo jeito — disse Mario Parwe em audiência na Justiça Federal do Amazonas em março de 2018.
De acordo com o MPF, o caso dos waimiri-atroari é apenas um de uma série levantada por procuradores em todo o país. O procurador Julio José de Araújo Junior, que atua no caso, se diz preocupado com a volta do argumento que coloca o “interesse nacional” acima dos direitos dos índios.
— Vigorava a visão de que o indígena estava em um estágio inferior, que caminhava para ser integrado ao que consideramos que é a civilização. Ele é visto como questão de segurança nacional: a premissa é a de que terras indígenas são um prejuízo pois há recursos a serem explorados — diz.
Durante a ditadura militar, a abertura de rodovias incluiu remoções forçadas ou “pacificações”. No Mato Grosso, terras indígenas foram entregues a fazendeiros para a expansão da fronteira agrícola. Na região conhecida como Marawatsédé, onde vivia o povo Xavante, as terras foram entregues a empresas interessadas em colonizar e povoar a região. Ainda de acordo com o MPF, uma dessas empresas, articulada com o governo militar, conseguiu a remoção do grupo Xavante em 1966. O deslocamento forçado, contudo, levou à morte de 85 indígenas, contaminados por sarampo. 

Em Minas Gerais, o regime militar implantou um reformatório dentro da terra indígena Krenak. Conhecido como Presídio Krenak, recebeu índios de diversas etnias e levou à remoção, também forçada, do povo Krenak para uma fazenda em Carnésia, a 350 km de distância e ode viviam etnias rivais, e as terras eram pouco férteis em um clima muito mais frio. Na prisão, de acordo com o MPF, indígenas de mais de 15 etnias realizavam trabalhos forçados e sofriam torturas físicas e psicológicas.
Além da ação civil pública em que o povo Krenak pede reparações históricas, territoriais e financeiras, o MPF também enviou ao Ministério da Justiça um pedido de reparação coletiva. Até hoje, a Comissão de Anistia, no entanto, só concedeu o pedido a 14 indígenas suruí. O pedido dos Krenak segue parado.

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