10 livros para entender as culturas originárias no Dia da Luta Indígena

Com curadoria do antropólogo Mércio Pereira Gomes, a lista abrange desde mitos desses povos até análises sobre o papel deles em nossa formação social

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Há 77 anos, o então presidente Getúlio Vargas instituiu o chamado Dia do Índio, em 19 de abril. A data tem suas controvérsias, a começar pelo próprio nome. Há quem defenda que a data seja chamada de “Dia da Luta dos Povos Indígenas”, quebrando a visão estereotipada sobre a figura indígena e respeitando a diversidade de culturas dos habitantes originais do território brasileiro.

Para entender melhor o porquê dessa luta, nada melhor que conhecer as histórias, tradições e costumes indígenas. Por isso, a Amazon convidou o antropólogo e especialista no tema Mércio Pereira Gomes, presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) entre 2003 e 2007, para fazer uma curadoria de livros que abrangem desde a cultura dos povos originários até análises sobre a formação social do Brasil, passando ainda por romances, mitos e livros infantis. Além de obras de autores como Daniel Munduruku e Darcy Ribeiro, a lista inclui ainda um título do próprio Gomes, Os Índios e o Brasil. “O livro dá um panorama geral das culturas indígenas e da história desses povos em relação à formação do Brasil”, conta o antropólogo.

Entre os romances, uma das recomendações do especialista é Maíra, escrito pelo também antropólogo Darcy Ribeiro. O título trata do “drama do brasileiro diante da tragédia indígena com pinceladas de quem viveu entre eles, onde a imaginação se encontra com a etnografia”, segundo observa Gomes. Ele também indica o Contos indígenas brasileiros, do autor indígena Daniel Munduruku, cujas histórias “nos levam à beira do rio Tapajós, onde os antepassados do autor viveram e onde hoje ainda vive o povo Munduruku, um dos mais bravos da história brasileira”.

É importante observar que muitos dos livros foram publicados em séculos passados, com a visão de pessoas estrangeiras às tribos e, frequentemente, a partir de certos estereótipos. Por isso, a seleção inclui também autores indígenas contemporâneos. 

Confira a lista de recomendações do antropólogo*:

Os índios e o Brasil (Mércio Gomes)

 
 

 (Reprodução/Amazon)

Quem é indígena no Brasil? Qual a sua situação no país? Que relação ele estabelece com o meio ambiente? Quais são as diferenças entre os povos do século 16 e os de hoje? Como eles vivem, que língua falam e onde estão estabelecidos? Eles são brasileiros? Essas são algumas das perguntas respondidas com profundidade nesse livro. 

Primeiramente, sim, eles são brasileiros natos e originários. E estão espalhados em todos os estados do país. O antropólogo Mércio Pereira Gomes faz um panorama sobre quem são os povos indígenas brasileiros, quais são as políticas indigenistas desde a colonização, revelando os interesses econômicos que desafiam essas comunidades e rebatendo o discurso comum ao enfatizar o ponto de vista dessas pessoas.

Maíra (Darcy Ribeiro)

 (Reprodução/Amazon)

Em Maíra, o antropólogo Darcy Ribeiro revive as emoções dos anos em que passou em tribos e narra a história de um indígena que, adotado por um padre e convencido a seguir o sacerdócio, questiona sua verdadeira fé e entra em conflito por ter abandonado seu povo. O jovem Avá sai de sua aldeia ainda menino para morar em Roma. Quando retorna para sua tribo, acompanhado da carioca Alma, vive momentos intensos na busca da integração com seu povo. Seu drama, em alguns momentos, desperta no leitor indignação e mostra a riqueza da cultura indígena e sua inadequação aos valores da sociedade cristã. Na obra, Darcy constrói uma narrativa instigante e envolvente em torno de valores de uma cultura tão rica, oprimida, e contraditória com os valores hegemônicos da nossa sociedade, destacando as bases espirituais e materiais de um mundo tido como “primitivo” que transcende e desafia o mundo dos “civilizados”.

Kadiwéu: Ensaios etnológicos sobre o saber, o azar e a beleza (Darcy Ribeiro)

 (Reprodução/Amazon)

No final dos anos 1940, Darcy Ribeiro levou adiante uma minuciosa pesquisa de campo sobre a etnia dos Kadiwéu, que se concentram no Mato Grosso do Sul. O resultado está neste livro, composto por textos com descrições densas das relações familiares desse grupo indígena, das estratégias que empregam para a proteção de suas terras, dos mitos que integram seu universo de crenças, dos seus cantos xamanísticos, das pinturas feitas em seus corpos e também nas cerâmicas.

Em Confissões, seu livro de memórias, Ribeiro afirma ter desenvolvido junto aos Kadiwéu muito de seu olhar enquanto estudioso dos indígenas. Em suas palavras, ele pôde aprender com eles que “só uma identificação emocional profunda pode romper as barreiras da comunicação, permitindo a um estranho penetrar a intimidade que atingia praticamente o máximo a que pode aspirar um antropólogo no seu esforço por ver o mundo com os olhos do povo que estuda”. 

Duas viagens ao Brasil (Hans Staden) 

 (Reprodução/Amazon)

Duas vezes em meados do século 16, o mercenário alemão Hans Staden aportou nas costas do recém-descoberto Brasil. A primeira, em 1549, passando por Pernambuco e pela Paraíba, e a segunda, em 1550, quando chegou na então ilha de Santa Catarina. Na segunda viagem foi preso pelo governador-geral e em seguida capturado por indígenas tamoios. O jovem Staden viveu para contar o que viu – paisagens virgens, riquezas inexploradas e a prática ritual do canibalismo, do qual por muito pouco não foi vítima. O livro com o seu relato foi publicado em 1557, em Marburgo, Alemanha, ilustrado por xilogravuras anônimas (reproduzidas no livro) baseadas nas suas descrições. 

Economia Selvagem (Cesar Gordon)

 (Reprodução/Amazon)

Com base em uma detalhada etnografia do consumo entre os indígenas Xikrin, originários do Pará, o antropólogo Cesar Gordon nos mostra que o desejo indígena pelos objetos que lhes são entrangeiros não é espúrio, inautêntico e exótico. Ao contrário, é a expressão de um propósito e de uma história propriamente indígenas, com profundas conexões com a cosmologia, o sistema ritual e o parentesco. O autor também reflete sobre um tema urgente para muitas populações indígenas no Brasil: a relação com os não-índios, com o Estado e com a economia capitalista. 

Contos indígenas brasileiros (Daniel Munduruku)

 (Reprodução/Amazon)

A leitura das histórias selecionadas no livro dá às crianças uma rica visão de nossa herança cultural. São oito contos selecionados pelo autor, antropólogo de origem Munduruku, a partir de um critério linguístico. Eles retratam, por meio de mitos – o roubo do fogo, a origem do fumo, depois do dilúvio, por exemplo –, a caminhada de alguns de nossos povos indígenas do norte ao sul do país. Alguns dos povos retratados são Guarani, Karajá, Munduruku e Tukano. 

Foi vovó que disse (Daniel Munduruku e Graça Lima)

 (Reprodução/Amazon)

Faz parte da tradição indígena ouvir os avós com muita atenção. Eles são considerados sábios porque guardam as histórias dos ancestrais e as contam aos mais jovens, para que possam aprender sobre suas origens e sobre seu próprio papel no mundo. Nessa história também de Daniel Munduruku, o leitor conhece o menino Kaxiborempô. Ele é responsável por conduzir o leitor por um passeio pela floresta e pela cultura de seu povo. As ilustrações de Graça Lima mostram as cores, formas e texturas da natureza, da cultura munduruku e dos seres encantados da floresta. 

A queda do céu: palavras de um xamã yanomani (Davi Kopenawa e Bruce Albert)

 (Reprodução/Amazon)

O xamã e porta-voz dos Yanomami, David Kopenawa, oferece no livro um relato que inclui testemunho autobiográfico, manifesto xamânico e protesto contra a destruição da Floresta Amazônica. Publicado originalmente em francês em 2010, o livro apresenta as meditações do xamã a respeito do contato predador com os homens estrangeiros à tribo, que representam ameaça constante para seu povo desde os anos 1960. A queda do céu foi escrito a partir de seu ponto de vista, contado ao etnólogo francês Bruce Albert, com quem nutre uma longa amizade. Foram mais de trinta anos de convivência entre os autores e quarenta anos de contato entre o etnólogo e o povo Yanomami. Recheada de visões xamânicas e meditações etnográficas sobre os brancos, o livro questiona a noção de progresso e desenvolvimento defendida por aqueles que os Yanomami chamam de “povo da mercadoria”.

Amazônia indígena (Márcio Souza)

 (Reprodução/Amazon)

Com a bagagem de mais de quarenta anos de dedicação à cultura amazonense, o jornalista Márcio Souza se encarregou de reunir tudo o que há de mais recente em pesquisa sobre a Amazônia e os indígenas da região. Em capítulos curtos, de leitura fácil mas repletos de informação, Amazônia indígena fala das culturas da Amazônia, passando pelos horrores do processo colonial e dos sucessivos genocídios de indígenas que ocorreram na história do Brasil, chegando às atuais problemáticas ambientais. Ótimo para repensar a relação do Brasil com seus habitantes mais antigos. 

Ouro Vermelho: A conquista dos índios brasileiros (John Hemming)

 (Reprodução/Amazon)

O livro marca uma das primeiras tentativas de abordar a história dos indígenas brasileiros de modo mais amplo durante os séculos de conquista colonial. O primeiro contato de John Hemming com os povos originários brasileiros aconteceu em 1961, durante expedição no entorno do Rio Iriri, no Pará,  quando sofreu uma emboscada preparada por homens da tribo Kreen-Akrore, até então desconhecida no país. Após essa primeira expedição, realizou viagens para diferentes regiões. Nessa obra, Hemming se propõe a escrever a história indígena brasileira ou da conquista do Brasil a partir do que ouviu das perspectivas dos povos nativos. 

 

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