Dois radialistas de cidade de MS são denunciados no MPF por racismo contra indígenas

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Por MidiaMax

Procurador do MPF, durante visita a Aldeia Jaguapiru, em Dourados.(Foto: Marcos Morandi)

Dois radialistas de Dourados são acusados de racismo contra moradores das aldeias da maior reserva de Mato Grosso do Sul. A notícia crime foi apresentada nesta  sexta-feira (4) por organizações indígenas, indigenistas e entidades que pedem providências em virtude  de comentários considerados racistas.

Segundo a denúncia, durante o programa Espaço Aberto, que é veiculado pela Grande FM , no dia 26 de agosto, os radialistas Cícero Farias e Paulo Vagner comentaram sobre sacos de lixo mais resistentes, que espantam gatos que constantemente rasgam os sacos, fazendo bagunça com lixo. “Esses novos sacos que estão saindo, eles têm um cheiro muito forte. E esse cheiro inibe a chegada do gato para rasgar o saco de lixo”,  disse Cícero.

Na sequência, o mesmo radialista afirma que “se fosse só gato, os índios também adoram rasgar sacos (de lixo)”. A opinião é complementada em tom irônico por Paulo, um de seus três colegas de estúdio que diz: “Se for colocar um cheiro para espantar os índios, vai ser difícil (risos)”.

O vídeo com esse trecho do Programa foi divulgado nas redes sociais, os indígenas que moram em Dourados e no cone-sul do Estado, que são em sua maioria da etnia Guarani e Kaiowá se sentiram ofendidos com os comentários, resolveram então propor a notícia-crime juntamente com outras organizações que assinam a peça.

No entendimento dos autores da ação, configura-se crime de racismo praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, os proponentes alegam que, apesar da liberdade de expressão ser direito garantido na Constituição Federal, esse direito não é absoluto, assim, o discurso de ódio não pode ser interpretado como liberdade de expressão.

“O objetivo dos apresentadores já mencionados foi de humilhar, incitar o ódio aos povos indígenas, propagar o discurso de subalternização dos indígenas, comparando-os aos animais que reviram os sacos de lixo. Talvez a comparação vise não somente constranger, mas causar um mal-estar, já que para os locutores os indígenas estariam num patamar ainda inferior ao dos animais, eis que, nessa ótica eivada de preconceito, o cheiro do saco de lixo conseguiria repelir os gatos, porém os indígenas não”, aponta a denúncia.

Em maio desse ano, o cineasta Reynaldo Paes de Barros, diretor do filme “Matem os Outros”,  em ação movida pelo MPF  foi condenado pelo TRF-3 ( Tribunal Regional da Terceira Região) a pagar uma indenização de R$ 100 mil reais por danos morais coletivos, na decisão, ele foi considerado propagador de discurso de ódio contra a comunidade indígena Guarani-Kaiowá.

Realidade ignorada

O discurso de ódio contra os povos indígenas vem aumentado durante a pandemia, em Dourados, uma academia publicou no seu perfil do Instagram uma imagem de uma indígena, que estava com duas crianças, andando sem máscara em uma rua da cidade, com a legenda “As academias são lugares de proliferação de covid e precisam estar fechadas para que as pessoas fiquem com suas imunidades bem baixas. Porém, essas pessoas (indígenas) podem andar sem máscara e, se não me engano, a aldeia estava cheia de covid. Acordaaa, Dourados!”

“Lamentamos o uso indiscriminado da figura indígena para atribuir privilégio dos quais nunca tiveram, repudiamos a desinformação de pessoas que utilizam dos povos indígenas para disseminar preconceito e desinformação” disse o assessor jurídico do Cimi Regional Mato Grosso do Sul, Anderson Souza Santos.

Segundo Anderson, alguns setores da sociedade ainda ignoram a realidade indígena no país, onde milhares de pessoas da reserva de Dourados sobrevivem coletando latinha no lixo e pedindo alimentos. “Como poderia esse povo ter condições financeiras para seguir todas as regras emitidas pela prefeitura da cidade, pelo governo do estado ou pela OMS?”, questiona.

“Por isso, digo mais uma vez, é lamentável que em nosso país ainda tenhamos cidadãos que associem a figura indígena a um privilégio que seria `não seguir as regras’ e desconhecem a vulnerabilidade a qual eles estão acometidos, pois eles não têm privilégios, mas sim, não têm condições nem auxílio para sua proteção”, comenta o representante do Cimi.

Na avaliação do professor da  UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados), Neymar Machado de Souza, o olhar usado pela academia está distorcido. “Considerar que a disseminação da covid-19 na cidade resulta da circulação indígena  é um equívoco. Na verdade os fatos mostraram que a circulação dos indígenas em ambientes de trabalho na cidade é que os contaminou”, uma vez que o primeiro caso de coronavírus  na Reserva surgiu a partir de contágio em um frigorífico de Dourados.

Outro aspecto analisado pelo pesquisador da UFGD está também na premissa de que não é somente indígena que não usa máscara. “Por quê escolher uma família indígena que vem a cidade atrás de sua sobrevivência, uma família simples que passa necessidade, e colocá-la em exposição desta forma?”, questiona Neymar.

O professor também ressalta que é preciso levar em conta que a imagem mostra uma mãe, de bicicleta, com uma criança na garupa, roupa rasgada, chinelo de dado. “O que esta família necessidade de fato de nós? creio que não seria acusação e preconceito. Talvez nem tenham máscara para usar. É no mínimo uma falta de empatia”, pondera.

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